Com_traste

Com_traste

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

MaCabra


Segue-me o reflexo do espelho que olhei esta manhã
Tento disfarçar o medo
Não olho para trás mas sinto-o
Cada vez mais perto
Cruzo-me com alguém a quem tento pedir ajuda
Mas não me olha nos olhos
Viro na próxima esquina, penso
Mas ao mesmo tempo a rua parece infindável
Apresso o passo e tento chamar um táxi
Corro em direcção ao meio da rua e as buzinas assustadas invadem os silencio da tarde
Recuo um passo ao mesmo tempo que escuto o som de uma travagem a fundo
Ao longe o som de uma ambulância aproxima-se em segundos
Chegam rostos que se vergam aflitos tentando saber se a vitima respira
Eu quedo-me presa às riscas brancas no preto da via…se me mantiver aqui talvez me ilibem de culpa
De repente alguém vem na minha direcção abanando a cabeça
Nada a fazer, disse.
O motorista do carro acidentado leva as mãos à cabeça como que negando as evidências
O policia anota algo e pede-lhe a identificação
Não me mexo, agora não posso!
Alguém se afasta e deixa um espaço por onde se pode ver os restos
E consigo ver ainda …com vida
O reflexo em agonia no chão
Faltam-lhe partes
Mas mesmo assim…olha-me como se quisesse mostrar o rosto da culpa
Não senti nada
Apenas alívio por me livrar da pena… de prisão perpétua.

Ora BOTAS!



Agora calo-me
Já não me apetecem as palavras
Fechada no espaço de quatro paredes negras
Alem do vazio, uma única cadeira espera alguém
E eu sento-me
Não sei onde colocar as mãos…junto os joelhos e abraço-os
Está-se bem assim
Comigo e a minha ausência
Não precisamos de apresentações
Nenhuma das duas espera nada
Só estamos…
Recuso-me a responder às minhas perguntas
A ausência de mim sorri
Chama-me teimosa
Continuo sentada abraçando as pernas
Cobre-me um vestido preto muito curto
Descalça e sem nada mais a cobrir o corpo
Não sinto frio
A ausência de mim está vestida de branco
Acho que gosta de cores claras
Somos muito diferentes…sempre o fomos, penso.
Nos pés traz umas botas pretas que lhe vestem as pernas também
É bonita
Olho-a e desejo-a
Nunca tinha sentido algo assim e coro
É ela que dá o primeiro passo na minha direcção
Acaricia-me a nuca
Fecho os olhos..inclino a cabeça
Volta a chamar-me teimosa…tento mas já não consigo ripostar
Sinto a ausência entrar em mim
Com a língua em voltas soltas pela minha boca
As mãos continuam a afagar-me os cabelos e sinto-me tonta
Despenteada, ofegante, suando …
Sinto que me puxa para ela, deixo-me ir sem abrir os olhos
Juntamo-nos
Sensação única a junção de corpos iguais
Diferem na cor …apenas
E obrigando-me a abrir as pernas, sinto o couro frio das botas altas na minha pele
Arrepio-me com o deslizar no seu joelho nas minhas coxas
Cheira bem..junto o nariz ao seu cabelo que agora me cobre o peito
Abraçamo-nos e em silencio deixo-a entrar em mim
Quedamos assim largos minutos..desperto como que anestesiada
Abrem a porta e alguém entra
Não me mexo
Seguram-me o pulso e oiço uma voz em eco:
Nada, não se sente nada.
Alguém do outro lado responde:
Está assim sentada desde ontem…nua e de botas calçadas.
Loucos!
Dizendo isto…saíram.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Cansaço...



Acordou cansada
Era um cansaço novo nela
Não doía nada de físico
Não sentia tristeza ou angústia
Era ausência
Nada mais que ausência
Era como se planasse sobre o próprio corpo
E o visse vazio de si
Sem expressão no rosto
Nem aquele brilho nos olhos que a tornavam criança
O ar reguila de sempre fora-se
Não sentia nada
Rigorosamente nada
E isso só poderia ser cansaço de ser
Era sempre tanto…sempre mais do que devia
Deitou-se de novo no seu corpo
Tocou-se para comprovar os sentidos
Os dedos que foram sempre de outros
Naquele momento eram apenas seus
Sentia-os mais fracos, magros e inexperientes
Tentou em vão todos os pensamentos de antes
Aqueles lhe davam vida cada vez que morria de desejo
Mas agora os dedos eram dela
Os pensamentos fugiram para um outro lugar qualquer que não o seu leito
Tantas vezes que se deitaram com ela e agora sentia que nunca lhe pertenceram
Ausência
Só ausência e um afago dos seus dedos

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Calem-se


Calem-se!
Eu desisto de me tentar convencer que as coisas são outras coisas
Que a existência de palavras são algo mais que isso
Sentem-se no momento…e dizem-se
Desisto de lhe querer dar vida depois de ditas
Ploff…parece que as estou a ouvir…
São como o álcool do vinho que me atordoa
E eu tonta …deixo-me ir atrás delas
A cabeça é algo que meu corpo não possui
Vejo-me do outro lado a sorrir à bailarina desnuda que teima em rodopiar
E depois torna-se eco
O pensamento repete sistematicamente as palavras que já não soam
Decapitação deveria ser a pena da morte que nos espera
Porque só matar as palavras nos silêncios, não basta
Se alguma vez as ousamos dizer, é como se lhes déssemos a eternidade
E condenássemos à morte lenta o receptor
De uma vez por todas desisto das palavras criminosas
Não apelo mais à humanidade dos que as podem salvar do seu destino
Que se danem!
Matem-se!
Morram todas as palavras perigosas
Que me fazem ficar louca por engano
E depois disto peço um copo
Do vinho que me torna menos pura
E podem gritar o que quiserem
Já nada poderei escutar que sinta
E antes que seja decapitada
Tapo o poço para que o eco não me minta.

sábado, 11 de dezembro de 2010

HORAS PERDIDAS



Passaram as duas, as três..e tantas outras horas que não senti
O tempo já não me fala como antes
Mas passa, sei que passa pela sombra que fica no corredor
A ligação de todas as coisas…com portas que se abrem e fecham
O pó tapa as marcas dos passos e as dedadas nas paredes
As portas que rangem, deixam-se ficar abertas para evitar constrangimentos
Ou pela ausência do som
Ou pelo exagero do mesmo
Disfarçam assim a quantidade de entradas e saídas
Há ainda as outras…as que é necessário deixar impressões no puxador
Evitam sempre a falta de provas, por serem talvez as mais experientes
A vida de uma porta não deve ser fácil…tem visão para os dois lados da casa
E acredito ser muitas vezes difícil saber a qual lado pertencem.
Mas é a sombra do tempo que agora me prende
Olho-a e pergunto-me porque ficara assim
Não me fala mais como antes
Arrasta-se preso a mim como se me fosse algo
Mas já não se importa muito comigo
E eu não sei o que lhe fiz…
Talvez tenha sido a falta de atenção que dei aos pequenos minutos
Ou a hora que perdi a pensar …
Só sei que também eu em tempos o sentia diferente
Era como se fosse mesmo meu
E corava só de saber como me poderia sorrir…um dia
Em pequena queria que ele me tomasse mais rápido em seus braços
E ficava louca se me diziam para esperar...
Dar tempo ao tempo sempre foi algo que não entendi
Contradição dos diabos que me fazia perguntar constantemente Porquê…?
E a resposta era um fora de tempo qualquer…num sorriso protector de quem me julgava louca
Depois enamorei-me dos pequenos nadas que me trazia ao fim da tarde
Era mesmo bom ser amante do tempo!
Agora jaz ali no corredor feito sombra
Sei que é ali que se espera pela hora…
Do parto
Da decisão dos outros
Do carteiro que tarda
Da opinião do médico
Da chamada…certa
Da morte
Mas será que não sabe que já não há tempo para esperas?
Porque me segue ainda assim, parado, quando eu já há muito que o deixei livre?
E se ainda me quiser como antes?
Ah como eu daria horas de vida para saber ao certo…
Que horas são (?)

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

...





E agora?
Esquecemos das letras todas que nos formam
A caligrafia morreu no tinteiro
De pena
As mãos nos bolsos disfarçam os gestos automáticos de carregar em teclas
E estas ciumentas vingam-se contando ao mundo os nossos poemas
E eu já não sei quando foi a última vez que me falaram de amor…
E agora?
Procuro a folha de pauta
Enroladas as notas de música
Leio todas as letras que me tocam
Nos compassos lentos, divididos em tempos íntimos
Soletro o solfejo dançado na mão em concha
Depois em crescendo
Aumenta o ritmo harmonioso
Sem dó, a mínima na linha mais grave de mim
Baloiça
E antes que as cordas vocais me sufoquem
Nas palavras que não digo nem escrevo
Termina a peça num andamento imposto
Pelas mãos que comandam à distância o sentimento
E eu já não sei quando foi a última vez que me falaram de amor…
E agora?

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Nenhures...


A estrada parecia não ter fim.
Caminhei noite e dia com a certeza de que ela me levaria lá.
Andei, corri, volta e meia descansava na berma, pouco tempo quase nada..
Continuava, sempre em frente, olhando o horizonte que mesmo à noite o luar se encarregava de iluminar, por fim cheguei lá.
Não sei porquê, parei antes do ultimo passo.
Já era dia, finalmente uma mão prendeu a minha.
Ficamos assim…juntos na berma do caminho, a um passo de Coisa Nenhuma.
Não deixámos de olhar o vazio, ou melhor, coisa nenhuma.
Demos o ultimo passo com a certeza que nenhum dos dois existia.
Alguém escreveu mais tarde uma tabuleta que colocou naquela estrada dizendo :
Caminho sem saída!
Nunca mais ninguém, que queria chegar a algum lado, caminhou por ela.
Mas eu sei o caminho para Coisa nenhuma.
E escreveram-se letras de canções, músicas para poemas sem rimas, contaram-se lendas e inventaram-se palavras, mas nada conseguia descrever Coisa Nenhuma.
E os poetas insistiam, os músicos teimavam, os inventores enlouqueceram…
Nada, Ninguém, Nenhures, só em sonhos se pode descrever.
Mas eles nem sonhavam.
Foi então que alguém (Deus ou o macaco) se lembrou de escrever na tal tabuleta :
Caminho sem saída só para alguns!
Desde esse dia todos seguiram para Lugar Nenhum.
Hoje ainda ninguém sabe se esse lugar existe.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

OSSOS DO OFÍCIO



Arranham-me as entranhas
É a partir de dentro para fora que me matam
Facas afiadas de mãos invisíveis
Pouco a pouco
Despedaçam-me os órgãos
A principio só uma dor leve no coração
Normal para quem ousa usar o órgão para algo mais que batidas ritmadas
Depois uma cólica que enrola o estômago em volta de um vazio
Engulo um naco de pão à pressa, tento acalmar a dor
Até as pedras, pouco preciosas
Desfazem a murro
Causando um golpe de rins, que tento disfarçar em movimentos dançados
O fumo já não me causa manchas nos pulmões
Sopram ventos de todos os lados
Com drogas outras
Menos puras e de cores psicadélicas
Dilatando-me o peito prestes a rebentar
Respiro ofegante…ainda
O cérebro apertado pelos pensamentos confusos
É banhado por líquidos pegajosos
Parecem rios poluídos
Uma tontura em cada novo pensamento
E um sentimento
Em fuga do coração, acumula-se nas margens
Pouco resta de dentro que possa ser transferido
O sonho da doação do pouco que julgava puro
Morre antes de mim
A boca seca-se
Já não há palavras suculentas
Nem excitação possível que me faça salivar
Antes, era um mar nos sonhos de libido louca
A língua torna-se branca
Áspera
Soltando palavras ao acaso
Todas elas cruas
Impuras
Ordinárias
Perdi o sentido dos sons
Agora são barulhos horríveis,
Só escuto por mero caso
Volta e meia captando a onda em que os emitem
Completamente dessincronizada
Repito ruídos tentando voltar aos primórdios
Em que aprendemos por imitação
Os olhos cegam
Por a luz vir de dentro
Como raios
Visão raio x
Deixando todas os outras letras por decifrar
E o negro da menina
Que antes sorria no reflexo
Confunde-se com o negro do vazio
Mas ainda cheiro
Chegam a mim todos os aromas de antes
É como se ele me trouxesse todos os outros sentidos
E desse vida a todos os órgãos desfeitos
Mas receio o tempo que escasseia
Impaciente pelo cheiro das madrugadas em que se coze o pão
Alongam-se as tardes secas
Nunca mais chove para que me devolvam o cheiro da terra
As árvores engravidam por inseminação artificial
Propositadamente para que não sinta o cheiro dos frutos da época
E não voltam as primaveras
Foram no bico de andorinhas, há anos e anos
Nada resta do verão, não há mar de searas que ondulam
E eu ainda respiro… ofegante
A pele desnuda-me como se quisesse intimidar a vergonha dos outros
Enrola-se como os estores
E eu como janela entreaberta exponho-me
Resta-me ainda o ventre
Cansado de tantos partos
Mas fértil ainda
E antes que me matem tudo
Desfaço o resto das entranhas
Sangrando pelo sexo em gotas
O que nas veias acumulei em anos
E para que se saiba a causa do suicídio
Escrevo com a ponta do dedo
Na poça de sangue onde me findo
“Desisto de vos alimentar eu própria levo os meus ossos”

domingo, 28 de novembro de 2010

Com...Tacto(s)




Nem o tempo

Nem a distância

Nem as aves predadoras

Retiram de nós a certeza

Que com o toque

Contacto sem tacto

Em que possuímos sem poder

Nos reavemos

Parecendo vir de longe

Ainda antes de nos sabermos preferidos

Naturalmente traçados

Sem traça social ou projectada

Sem redes

Sem chão

Sem tecto

Edificamo-nos nos olhos

Nas falas

Nos jeitos dos gestos vigiados

Nos corpos divinamente encaixados

No querer

Poder

Fazer

Contacto

Fora do que é a lei natural ou criada

Um livro
Um copo de água fresca

Uma terra perdida junto ao mar

Uma falésia

Ou nas ruas dos dias que passam

Com esquinas de encontros

Traficamo-nos

Em palácios

Bastando poucos metros quadrados

Com altares vazios

Para que nos entreguemos ao contacto do sobrenatural

Crentes

Enquanto dura a eternidade da existência dos dois

Em correntes sanguíneas alteradas

Alternadas

Positivo o teste

Caso houvesse alguma duvida

Da gravidez dos nossos âmagos

Depois de nos fecundarmos

Em conTACTO

Sem tempo

Sem distância

Sem tacto
 

domingo, 21 de novembro de 2010

Vou escrever um crime...


Vou escrever um crime

Com o ódio com que se cometem todos os crimes
Ou até com a puta da falta de sorte com que se dispara sem querer
Matarei a raiva
Com a faca afiada da língua
Ou com a bala em brasa das palavras do acto
Enforcarei a porca com a própria liga
Matarei o ódio
Com o tiro à queima roupa
Depois de o deixar nu em êxtase
Mesmo antes que diga (a)Deus
Matarei a fúria
Com a força das mãos
Em pancadas seguras e fortes
Deixando as marcas nas partes que esconde
Matarei a honra
Com o sexo desonesto e interesseiro
Planeado ao pormenor
Cronometrado ao segundo
Matarei o homem
Que se atreva a descobrir a vítima
Depois de bem escondida e enterrada
Na cova da cama molhada
Matarei o álibi
Com a vontade de ser apanhada
Para que nada reste
Nem a (des)culpa
Matarei ainda a vitima
Que depois de morrer se mexa ainda
Para ter a certeza do facto
Beijo-a com o mais puro mel
da cobra
Matarei por fim a prova
Que espalhei por todo o lado
Juntado na mesma cova
Os dois corpos abraçados.

Foi crime…dirá ela depois quando o escrever

falta de visão...Politica



Hoje vou votar em branco
E para que conste em acta
A minha declaração de voto!
Não consigo decidir entre a cor e a ausência
A palavra de ordem e o silêncio desorganizado
A força da razão e a loucura
A política de massas ou couve-de-bruxelas
A vontade ou o desalento
O coro ou o canto do quarto
O ser sempre assim ou o assim assim às vezes
O rosa choque ou o choque em cadeia
A sombra dos olhos ou os óculos de sol
A fartura ou vai mais uma pinga
Na tua casa ou na minha
Água pé ou ao pé do mar
A cigarra ou o cigarro
Solário ou dromedário
Contrabando ou a favor
Consciente ou anestesia geral
Fora de jogo ou nem vou à bola
Às 5 na leitaria ou mesmo só na esquina
Sms ou m&m
Segredo ou já sabes a ultima?
Doce ou doce
Crime ou castigo
T1 ou A4
Voto ou Nim
Amor ou… ai como é que se chama aquilo?
Disse…
(ok ok amanhã mudo o sentido do voto…há votos negros? Buracos já ouvi falar…)

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Pre...Visões


Vestira o casaco de todos os dias, não olhava antes o dia pela janela nem se preocupava em ouvir na rádio se o trânsito fluía.
Saia como sempre, devidamente vestida para a ocasião sem se olhar o espelho ou à sombra.
Enfrentava o sol da mesma forma que a chuva e o frio. ..insensível aos temporais, só temia os trovões e alguns relâmpagos, por os saber capazes de destabilizar toda uma vida. Uns por ser impossível de não fazer bater portas e janelas, outros por iluminarem, mesmo ao longe, toda a escuridão que trazia.
Circulava pela direita, dando prioridade aos peões não só na passadeira. Gostava de fazer das regras de trânsito, algo mais que um simples circular de máquinas comandadas por encartados condutores, ou dos outros, que sem carta escrita por ninguém, ousavam circular nas mesmas estradas até que a sorte do guarda ou o azar dele o detivessem.
Aos semáforos piscava os olhos, perguntando-se sempre porque lhe calava o amarelo em dias de pressa, sabendo-a incapaz de não parar como se de vermelho se tratasse.
Nos dias em que o rádio tocava as musicas escolhidas à sorte, mas que a enchiam como se a sorte fosse ela a comandar, sorria ao espelho retrovisor. .. imaginando no banco de trás, algo mais que a pasta dos documentos não assinados e dos livros de cheques em branco.
Havia sempre duas ou três rotundas pelo caminho, em dias de musicas cheias dela, sorria e dava mais que uma volta, fingindo não saber bem qual a saída, querendo demorar o momento da decisão. Saia sem ficar tonta, imaginando um outro carrossel, em que ao fim da canção só poderiam continuar na roda quem tivesse mais que um bilhete para a viagem.
Nunca se lembrava bem do espaço e do tempo entre a ida e a vinda…reconhecia o caminho pelas curvas difíceis e perigosas, pelas bermas ajardinadas convidando a piqueniques ou pela ausência de marcações na via. Há estradas tão iguais que qualquer pormenor faz a diferença.
Já se perdera um ou outra vez no regresso, mas disfarçava o erro usando aquela frase sábia “todos os caminhos vão dar a Roma”…mesmo sem nunca lá ter ido…
Chovia agora, sabia bem ter trazido o casaco de todos os dias, estacionou à primeira no espaço marcado, por vezes pisava a linha mas era tão ténue que só ela sabia da transgressão.
Entrou em casa deixando as luzes apagadas, sabia de cor o sitio de todos os objectos e de todas as vidas. ..as chaves no suporte da parede baloiçaram, fazendo o som que lhe fazia lembrar o guizo do gato que nunca teve. No cabide, o casaco de sempre pendurado, o peso das malas, cheias de recibos velhos do multibanco, e dos casacos nunca usados, davam um ar de cansaço ao coitado.
O corredor, ligava a saída da rua a todas as entradas possíveis, numa casa desenhada para gente comum. Mas como sempre, escolhera mais uma vez o quarto de hóspedes para se deitar…
Na manhã seguinte, sem saber se início ou fim das semanas que decorriam, ligava o rádio e cuidadosamente escolheu a roupa adequada ao tempo que previam, escutou as noticias do trânsito e saindo já com os minutos contados..apanhou o caminho que evitaria atrasos e acidentes de percurso, por vezes há que seguir por onde nos dizem ser mais certo..ao longe um trovão fez com que se esquecesse de ligar o rádio do carro, esperava o relâmpago que tardava…mas ela sabia que vinha.
Acendeu um cigarro para afugentar o medo…sabia ser impossível continuar no escuro quando os dias eram de tempestade e ela tinha optado por se deixar guiar.
Fez a rotunda sem pagar bilhete para segunda volta…e desta vez..todos os caminhos foram dar a Roma mesmo antes dela se perder no regresso.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Edição...Limitada



Vou escrever a prosa que trago nos versos

Da pagina ao avesso das regras

Sem rodapé ou paginação

Para que se percam as ligações possíveis

Entre o fim e o principio

E ao ponto final

Nada aconteça

Nem espanto

Nem desgosto

Muito menos o gosto

De um livro qualquer

Nos cantos dobrados

Escorrendo saliva

A identidade da ponta do indicador

Apenas poderá acusar

A audácia do leitor

Não se querendo perder

Na desordem que teima em seguir

Deixará espalhadas nas linhas

A ânsia e ganância

Da obrigação do sentido

Abuso de poder

De quem lê

Os versos

Inversos da prosa

Que nunca irão ser escritos.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

O BURACO ...DA FECHADURA



A visão limitada quando se espreita pelo buraco da fechadura
Está agora facilitada pelo enorme buraco que fizemos na porta
O paradoxo do orifício que servia para meter a chave que nos trancava
(Dava apenas azo à coscuvilhice das vizinhas)
Foi trocado por um outro, não menos paradoxal
As janelas/portas virtuais
Onde nem mesmo com condições de privacidade personalizadas
Podemos, ou teremos noção
Do quanto deixamos espreitar (e espreitamos)
O buraco…da intimidade de cada um
É que alem da visão
Os outros sentidos todos se apuram
Com incrível grau de imaginação e criatividade
Desvendamos o que se tem à mesa
No quarto
Na cama
No guarda fato…
E consciente ou inconscientemente
Damos a chave para a nossa caixa forte…
Com mais ou menos ilusão de óptica
E sem necessitar de cegos para que nos façam Reis
O senhor do quiosque
A mulher a dias
O homem do talho
A senhora da contabilidade
O padre
A virgem
O pai
O filho
E até quiçá o Espírito Santo
São adicionados às listas dos amiguinhos
Que sem o mínimo pudor
E sem necessitar de ficar de cócoras
Entram-nos pelo buraco... adentro.

Depois de nada nos valerá dizer que…dói!

sábado, 13 de novembro de 2010

Filhos da...Gente!


Talvez muito mais que nove meses
O tempo é incerto e pessoal
Inventamos semanas sem horas
Meses a fio sem prumo
Anos após anos sem lembrarmos dos dias
E os sintomas óbvios surgem lentamente
Aos pouco ficamos grávida-mente prenhes
Com vómitos não só matinais
Que vamos despejando em bandejas de prata
Ou nas esquinas da vida
Sentimos apetites estranhos e inconstantes
E no arroz doce juntamos os tentáculos do polvo que nos prende
Ou um pouco de pimenta nos cereais matinais
Por vezes sentimos a baixa tensão
Desmaios súbitos
Perdemo-nos sem consciência dos actos
Num encolher de ombros insignificante
Às coisas que nos dizem ser fundamentais
Outras…com força de Golias
Capazes de fazer revoluções nas ruas desertas de cidades perdidas
Erguemo-nos do leito antes do despertar
Alongamos os dias pela noite fora
De dia somos a multidão
Que fingimos manipular
Em empurrões descontrolados no metro
Ou em reuniões “importantíssimas” em que exigimos que conste em acta todas as nossas falas.
De noite acolhemos a solidão do corpo
No copo cheio de alma até ao fio dourado que nos limita
E bebemo-nos
Deliciando-nos com o caviar na ponta dos dedos
E sem quase nunca nos apercebermos
Um dia parimo-nos sem hora marcada
Com dores de parto só nossas e tão naturais
Sem direito a anestesias
Mordendo os lábios dos beijos em sangue
Gritando em respiração descontrolada
E nus nos braços embalamo-nos antes do berço
Afagamos a nova pele sem mácula
Olhamo-nos nos olhos
Sorrimos
Sem parecenças com todos os outros que se dizem familiares
Sabendo-nos nós apenas pela existência do cordão…
Que nunca conseguiremos cortar.
Seremos filhos da Outra
Da puta
Da vida
De um Deus menor
Ou do Diabo que nos tentou
Sem registo seguiremos incógnitos
Até que a morte nos separe …

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Para Acabar de vez com a CULTURA


Lotação esgotada
Os melhores lugares, marcados a ferros, há muito com dono
Depois de filas imaginárias e de até algumas confusões,
(Próprias de quem não vê a hora de conseguir um lugar para a tão esperada estreia)
Os lugares foram ocupados por impacientes espectadores
Cansados
Abatidos
Mal encarados
Famintos
Confusos
Perdidos…
Mas publico fiel
Aguardavam com algum nervosismo
Tinham sido permitidas pipocas
E refrigerantes
Coisa única, excepção apenas para o dia da estreia
Apagaram-se as luzes da sala
Nas cadeiras vazias faziam-se ouvir rumores
Ao mesmo tempo dos criks e craks
Estaladiços
Soaram as famosas pancadas
Houve quem acertasse na contagem
E um senhor mais desatento, afirmava terem sido dadas sem convicção
(Há anos que usava aparelho mas ainda não se habituara ao off e on do botão)
Depois o momento esperado
E fez-se luz no centro do palco
Silencio

E a luz ganhava intensidade
Entorpecendo as visões e as mentes
À medida que o tempo passava
Esfregavam-se olhos
Abriam-se bocas
Disfarçavam-se espantos
Depois de algum tempo de espera
Remexiam-se os corpos nas cadeiras
Gemendo a necessidade interior de mudança
Alguns leques bailavam em frente de rostos
Disfarçando a falta de calor
Ninguém se atrevia a comentar
Nem consta que nessa altura a história do Rei Vai Nu
Aflorasse a memória de quem quer que seja
E de repente
Um dos espectadores mais entusiastas
Levanta-se e grita um “Bravo” nervoso
E logo se juntam e coro os restantes alucinados
E já de pé toda a plateia
Aplaudem eufóricos…descontrolados
A aclamação demora o tempo da consciência do ridículo de cada um
Aos poucos a luz enche a sala vazia
Entre restos de bilhetes e pipocas babadas
Fecha-se o pano
Apagam-se as luzes dos camarins
Limpam-se os restos espalhados pelo chão
Ninguém sabe quanto tempo ficará em cena
Aguardam-se as críticas nas revistas da especialidade pela manhã
Lá fora , entre luzes de néon, o cartaz que ostenta os invisíveis rostos dos artistas
Pende ao vento, seguro apenas pela força da imaginação do criador
E em letras garrafais
O aroma alcoólico do título da obra:

OS SUBTRAIDOS

Peça sem actos possíveis de se contar
Bilhetes à venda em cada esquina
Divulgue
Participe!
(Com o apoio do Ministério da Cultura)

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Retalhos...da pele


Envolta na pele que disfarço diariamente
Não querendo mostrar a nu o que me excede
Encubro-me
Com tecido de um outro ser
Seda ou cetim
Pano cru
Tecido por dedos em que a impressão determina a identidade
Do bicho ou flor que lhe dá a matéria prima
Ao toque esvoaça
Enquanto no quarto, desfeito de amor que se fez
A janela entreaberta dos meus olhos
Deixam que entre a luz dos teus
Quando me tocas a pele em segredo
Nos sonhos que por serem revoltos
Me destapam do véu
E nua apenas ao teus olhos me quedo
Na solidão do meu quarto sem lua
Onde em crescentes fases me deito
E do véu da nossa pele
Voltamos ao tempo em que ainda não foram fabricadas vestes pudicas
E é no arrepio que nos entregamos em suores quentes
E apenas num quarto
Seremos o mundo inteiro por inventar
Debaixo de um véu..
Seda
Cetim
Pano cru…a nua pele!

terça-feira, 2 de novembro de 2010

PRESA...fácil


A vontade de entrega
Torna a maior fera
Em dócil presa
Cheira a sangue
A cio
E num ritual
Em que se oferecem corpos a Deuses
Lascivos actos
De criaturas míticas
No escuro da venda
Na prisão desejada
Cometesse a tortura
A caça ao homem
Com a única arma capaz de o fazer tremer
O desejo inconfundível
Da morte lenta no acto
Em que se vê o paraíso
A única hipótese dos pecadores entrarem no reino dos céus.

Terra...Fértil


Nunca te chegou a terra
O mar
O céu
Foi sempre pouco o espaço para ti
Precisas de mais
Precisas de tanto!
E além do teu peito
Onde nascem as Silvas e os Amor perfeitos
É nas costas
O lado que nunca viras à vida
Que o tronco se ergue
Esguio
Fértil na tua mente
Em ramos de folhas que se renovam na estação incerta
Com Outonos quentes
Primaveras frias
Sem tardes de fim de Verão
Ou Invernos descontentes
E em ti deita raízes
Cresce
Faz-se maior que o que sonhaste
Cobrindo de frutos doces e suculentos
A terra
O mar
O céu
E só assim se fecundará de novo o universo
Do imaginário dos Homens Divinos

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Sim..Fumo ;O)


É vicio..dizem
Que mata lentamente
E eu viciada me confesso
Cada vez mais dependente
Por vezes só entre os dedos
Sentido o corpo da seda enrolada
Já ardendo na espera
Antes de ser incendiada
Brinco
Deixo-o ficar entre os dedos
Na outra mão a arma da chama
Que chama o momento que se faz esperar
E já nos lábios
Entreabertos
A língua toca-o salivando
Impaciente
Lambendo o zona que filtra a brasa
Saboreando antecipadamente o beijo
Cerram-se o lábios numa prisão de sentidos
Nos olhos a chama bailarina
E as mãos em concha protegendo o momento
Inspiro
Segurando no peito o ar que dele extrai
Em fumo
Espalha-se em mim
Eu fumo
Sim
E num suspiro
Longo
Sentido
Saciada fico
Deixando-me mais uma vez certa da minha dependência
Enquanto isso ardes entre os meus dedos
Na boca
Nas mãos
Na pele
E em cinzas surges
Já não és fumo
És matéria desfeita
Parte dos meus sonhos
O fim do que senti quando te possui ardendo
Mas ainda queimas
Deito-te na palma da minha mão
Adormecendo assim…ainda quente
O vicio de ti.


http://www.youtube.com/watch?v=fNgv7EfKgmc

sábado, 30 de outubro de 2010

Importa..Ções



Já não importa…
A forma
O jeito
O tempo
Nem as vezes que o amor ficou por dizer
Já não importa…
Se fizeste mal feito
Se te deste com defeito
Ou falaste mais ainda que a própria dor
Já não importa…
Se calaste
Se falaste
Se sentiste demais que o permitido pela lei humana
Ou se cometeste o crime perfeito
Roubando o mel
A pele
A cor dos olhos
A saliva e a seiva
A voz
E o momento do prazer
Já não importa..
Não há tempo para o lamento
Quando já depois tudo
Continuamos a querer ..ainda..querer
Já não importa…
Se existiu
Se existe
O quê
Como
Porquê
Se estamos alegres
Ou tristes
Se foi Deus ou o Diabo
Que nos fez
Já não importa…
Se foste justo ou injusto
Se guardaste ou repartiste
Se morrestes ou ainda existes
Se cada vez que fechamos os olhos
continuamos a ver..
Que importa?
Já não importa…Ex...porta (por bater)

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Cativos


Com o tempo em contagem crescente
Numa escada em caracol
Subo em decrescente contradição
subindo degraus em espiral
Escorregando pelo corrimão
Por momentos cativos os pensamentos
Tantas vezes repetidos
Como horas a fio num tempo incerto
Ora é tarde
Ora é cedo
Nunca é a hora certa do momento
Aparente paradoxo
Esta realidade invisível
Se queremos subir
Fazemo-lo de costas
Evitando a vertigem crónica do que estará para vir
Já não sei se subo e desce o tempo
Ou vice-versa
E o verso da prosa em alucinação
É como o tempo numa escada em caracol
Sem corda mecânica que o impulsione
E eu sem corda que me prenda aqui
Fico cativa apenas porque o penso
Outra vertigem…deixo-me ir!

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Gostos e Des-Gostos



Espremo o limão até à ultima gota
Dispenso açúcar
Bebo o essencial do fruto
Por vezes como a polpa
Engolindo caroços
Usando a casca em raspas para doces caseiros
O limite do uso e abuso das suas possibilidades
Franzindo o rosto
Expressões de prazer e arrepio
Não se procuram metades
Juntam-se partes díspares
E conjugam-se na perfeição
Tal como o mel com o fel
Só na descoberta dos desiguais poderemos conhecer a essência dos prazeres
Não nos agrupemos a gosto ou a des-gostos
Nunca saberemos a quantidade de suco existente em cada um
Se não o esprememos até ao fim
Copos cheios
Vazios
A meio
Dependerá da nossa sede
Doce
Amargo
Azedo
Salgado
Tudo pode ser doseado à medida ou passando limites
Basta unir em doses certas ou incertas
as porções contrárias da nossa metade…

se mesmo assim não resultar
pegue no limão
junte gelo, açúcar, cachaça e divirta-se!

Intimidades




Na falta do corpo sentido
Toco-me na alma
Como se fosse sempre a primeira descoberta do amor
Ao mesmo tempo desconheço quem toco de cada vez
Múltiplas faces sem rosto
Tantas formas em linhas rectas do pensamento
Distintos prazeres e contradições
Invisível ser que me compõe
Êxtase quando por fim me encontro perdida


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domingo, 24 de outubro de 2010

A DECISÃO DO INDECISO



A decisão do indeciso

Passavam horas, dias e anos sem que conseguisse saber ao certo que fazer
Até nas coisas diárias, em que a rotina tornava fácil ser e agir sem grandes dúvidas...
Ele perdia-se em tempos de espera, num estado de ausência da vida, tentando decidir seja o que for.
Nos domingos de manhã saia cedo para ir comprar o jornal e beber o café na esplanada mais frequentada da vila. Antes de sair a duvida do que levar vestido deixava-o nervoso, muitas foram as vezes que vestira um sobretudo e levava o guarda chuva em pleno mês de Agosto, apenas porque lhe pareceu ver umas nuvens cinzentas ..por ai!
Bebia o café sem açúcar e sem adoçante..aprendera a lidar com as situações que o punham à prova.
Tornara-se vegetariano para evitar a pergunta constante, “carne ou peixe?’
O seu primeiro e único filho (resolvera não passar mais por tal situação) levou dois meses e 3 dias para ser registado, e mesmo assim o nome (João Maria) foi decisão da sua esposa.
O jornal era lido duas vezes, gostava de se certificar das coisas antes de formar opinião.
Resolverá há muito não ter Tv em casa, a hipótese de escolha entre ver o noticias e o debate politico, ou entre um filme de época e o ultimo premiado nos Óscares, foi a causa da sua ultima depressão.
Habituara-se a andar sempre de preto, a segurança de abrir a gaveta das meias e o guarda fato davam-lhe alento para enfrentar o dia.
Em dias de eleições, chegava bem cedo e já era conhecido por ser dos poucos eleitores que pediam vários boletins de voto, entregando um por cada partido, dos quais davam baixa e eram considerados enganos normais, entregando por fim o ultimo, dobrado em tantas partes quanto conseguia, só ele sabendo que tentava ocultar dos outros o seu voto em branco. …prova da sua indecisão crónica.
Escrevia sempre a lápis de carvão…mas por via das dúvidas levava sempre consigo um mata borrão.
Começou a fazer testes de orientação profissional mesmo antes de terminar a primária.
Tirou carta de ligeiros e pesados ..mesmo sem nunca ter conduzido na vida, a questão de decidir o caminho mais curto e de se ultrapassava ou não, originaram uma Úrsula no estômago.
Era um homem atento aos pequenos pormenores, mas detestava que lhe perguntassem opinião sobre o que quer que seja..ainda se lembrava das dores de estômago que sentiu quando a sua esposa, já no altar, lhe perguntou, estou bonita?
Hoje estava perante uma situação difícil, nem dormira a pensar no dia que teria de enfrentar.
E finalmente. Pela primeira vez tomou uma decisão sem tremer ou ficar com dores de barriga.
Levantou-se, não se lavou, não se vestiu, comeu o que estava à mão, desceu as escadas sem olhar para o chão, seguro de si seguiu em frente, foi trabalhar e nem questionou o facto de estar só no escritório, ao almoço, no restaurante que escolheu entre várias opções, pediu bife de atum e não conteve a gargalhada …já no fim do dia, sentou-se no banco de jardim perto de casa e deixou-se ficar até anoitecer. Olhou um ponto qualquer no horizonte e nem questionou se seria o sol a pôr-se ou a lua a acordar. Disse em voz alta: gosto disto, seja lá o que for!
Sorrindo chegou a casa e deitou-se na cama que ainda parecia quente
Sentia-se outro e já não temia ter que decidir seja o que for..
No dia seguinte, segunda-feira de um mês que desconheço, escrevia-se em todos os jornais:
Matou-se o homem que nunca decidiu nada na vida!
Ainda havia restos da sua personalidade nos dois copos encontrados junto ao leito…um com chá de limão sem açúcar, outro com cicuta e adoçante.
Bebera a mesma dose dos dois.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

DespertaDor


Silencio
Crescia entre o lençol húmido e os corpos
Poderiam dizer tanta coisa…
Mas escolheram o vazio
Adormeceram com receio de que quando acordassem ele já lá não estivesse
E caso se enchesse a madrugada de sons
Saberiam que o Adeus era a única palavra possível dos devolver à cama.

DEUS ERA DALTÓNICO



Já não é sangue que lhe corre nas veias
É lodo
Espesso, verde e mal cheiroso
A circulação doía-lhe cada vez mais
Sabia que faltaria pouco para que se amontoasse no peito
E ser pedra, rocha inerte
Estava cansado
Velho e confuso
Acredita na lenda que ouvira desde criança
Contam ainda…
Que é dos homens rudes
Dos que nunca souberam dizer Amor, mesmo quando o coração doía de tão cheio
Que Deus criou os vulcões
E a larva Rubra?
Apenas um pormenor artístico do criador

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

A chave?


Por vezes perco-me
Desconheço a essência que sempre me tornou singular
As duvidas constantes sobre os lados que me formam
Fazem-me olhar ao espelho de frente
De perfil, ora esquerda ora direita
Torturo-me constantemente num jogo do gato e do rato
Assim, frente a frente com a minha dualidade
Torno-me reflexo da imagem a que me habituei
Caixa forte
Com código secreto que eu própria desconheço
E bem dentro de mim procuro
Combinação impossível de decifrar
Resta-me encontrar a chave
Algures…
Enquanto isso espreito-me
Quase a medo
Qual ladrão de privacidade alheia
Por entre o buraco da fechadura


terça-feira, 19 de outubro de 2010

ORDEM DE PRISÃO!




Afixaram cartazes nas ruas e ruelas do mundo inteiro
Há quem diga que não terá hipótese de fuga
Fecharam fronteiras
Armaram todos os homens e deram ordem para matar
E a sua fotografia inundava as noticias de todos os canais televisivos
As rádios divulgavam a noticia, entre musicas românticas e o estado do tempo
Prometiam recompensas a quem o trouxesse morto ou vivo
Era impossível circular sem mostrar identificação e abrir a bagageira
A desconfiança estava em todas as esquinas em que tivessem o azar de parar
As sombras na noite ficavam gigantes
E o silencio deixava escutar uivos de medo
Era o pânico nos olhos dos poetas
A ruína dos vendedores de sonhos
Depois da hora de recolher obrigatório, nem as almas embriagadas arriscavam cambalear
Andava em fuga há muitos dias
Seria impossível continuar com vida
Diziam os incrédulos da força dos loucos
Há quem defende-se um linchamento publico
Serviria de exemplo para os marginais
E a fúria nas bocas escorrendo fel
Gritava palavras de vingança
Prisão perpetua!
Morte lenta!
Forca!
E surgiam novos métodos para a pena de morte nas mentes maquiavélicas dos carrascos
Os bruxos faziam feitiçarias e prometiam entregar o criminoso em poucos dias
Escreviam-se biografias desautorizadas
E em cada uma delas surgiam novos factos
Afinal tinha sido abandonado em criança
Outras falavam das más influencias desde cedo
Alucinado!
Marginal!
Dependente de todas as coisas proibidas!
Cretino!
Malvado!
Vagabundo!
Solitário!
Contrabandista!
Ladrão!
Desertor!
Aldrabão!
Em coro gritavam os vendidos ao medo
E no meio da confusão surge o único culpado entregando-se às leias impostas dos mortais
Sem culpa no rosto
Sem advogado de defesa
Agarrado como se ainda tivesse forças para fugir
Espancado e torturado sem razão
O juiz da culpa dos outros decidiu a sentença
Morte por asfixia
Apertem-no com as próprias mãos!
E mesmo depois de morto matem novamente o cabrão!
Não se sabe ao certo quantas vezes o mataram
Foram várias as facadas
Os choques, as cordas em aperto
Murros e tiros com balas de prata
E passaram a certidão …
Causa incerta
Morte súbita
Desconhecendo a razão
Mentido à descarada
Sem amor e sem paixão
A vingança foi consumada!
Morte sem anuncio nos jornais
Nem direito a cerimonias
Já não importa um coração
O amor é ficção
Coisas banais, histórias!


Uns anos depois ainda se continua a vender milhares de livros baseados na sua vida e morte….há quem diga que qualquer escritor que se preze do nome, terá que escrever pelo menos um livro que fale dele..
Em BD ou poesia
Romance ou ficção cientifica
Tornaram imortal até hoje o Amor.

sábado, 16 de outubro de 2010

Brancas...


Já não era o mesmo
Antes as palavras saiam soltas
Com vida própria e livres
Mal as sentia ou pensava
Já elas riam como loucas
Feitas poema
Canção
Fado
Por vezes dava por ele numa livraria onde os livros saem das prateleiras, mexidos, tocados, amados como mulheres da vida (ou com vida?) por todos os que os podem e querem possuir.
E ficava sempre admirado ao ver muitas das suas palavras loucas na vitrina, assinaladas com o “ultimo sucesso” do autor..
Já nem lembrava bem os nomes que criara para sim mesmo, sabendo-se tantos, habituara-se a baptizar cada um de si, sem água benta nem orações…e nem registo fotográfico havia.
E agora estava ali, inerte à espera que elas o tomassem de assalto..mas nada acontecia.
Habituado a não saber bem quem era, nem como se tornara dono das palavras que sabia não lhe pertencer, deixou-se ficar ausente, tocou o pulso apenas para confirmar as pulsações…não gostaria de saber da sua morte pelos jornais.
Não se confirmava o óbito, facto que o deixou aliviado.
Não pelo prazer de estar vivo, mas por recear não ter tido tempo de deixar o epitáfio .
Não era homem para se entregar à morte sem antes deixar escrito que se ia…não fosse, por mero acaso, alguém gostar de saber…e nesse momento pensou nas palavras que se soltariam na morte.
Afastou a ideia do pensamento, apenas por recear que as mesmas fossem negras num fundo branco, talvez falassem de um outro que não ele, talvez falassem de Deus e do Amor, e isso ele não aceitaria!
Queria palavras brancas no branco da pedra que não lhe pesaria.
Queria que inventasse o sentimento que nenhum homem ainda sentiu…ah como seria bom conseguir ser ele o dono das suas palavras..e ai sim…teria direito a prémios ..e à eternidade.
Daria autógrafos sorrindo, daria entrevistas nos jornais de Letras e Artes, ou de Letras com Artes…ou quiçá ser convidado para aparecer na Televisão?
Olhou à sua volta e não viu ninguém, o museu iria fechar dentro de dez minutos, acabaram de avisar em várias línguas, através de umas palavras que saiam de umas colunas pretas na parede.
Aproveitou os últimos minutos olhando os quadros que estavam à sua frente…entendia agora o motivo porque colocavam aqueles bancos frente às paredes com molduras..
Seria necessário voltar amanhã, ou depois de amanhã, ou ainda depois do depois de outro amanhã qualquer…
Com sorte apanharia o momento da inspiração do pintor…
Ao sair entendeu que afinal, o preço a pagar por deixar em liberdade a criação, era a espera do criador..podendo ser tão longa quanto a vida ou tão breve quanto a morte …
Sorte dos que consegue antes dela escrever que se vão.
No dia seguinte não voltou…

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

JUTHEYRSSHSPOITUYHCNCBGSF..



Não sei fazer palavras cruzadas
Todas as dicas me levam a mais letras que o espaço em branco
E onde coloco os significados do que só eu sei?
Como colocar tudo nos quadrados cheios de um vazio escuro?
Porque simplificam as frases numa única palavra?
Não entendo o mundo dos jogos que tão bem conheço as regras
Mas que decididamente não sei jogar para vencer.
E num labirinto de letras em falta me perco
Roendo o lápis já só com carvão
Batendo com a ponta dos dedos na mesa, no rosto, na testa…
Asfixio o traço que daria significado e borro o significante nos lábios,
Na mesa,
No corpo,
para que nada surja com erro de falta de espaço.
E continuo a tentar, agora é o enforcado que baloiça no limite do meu traço rabiscado a medo.
Quais as letras em falta para que a morte seja súbita?
E se me enganar e deixar em agonia a palavra escondida?
Baloiça na corda enquanto volto a procurar em mim uma outra resposta, começada pela letra escolhida ao acaso.
Mas porque necessita fazer sentido?
Agarro o traço com as mãos tremulas
Desenho com ele todas as letras de um alfabeto inexistente
Imaginário criado à medida da realidade paralela
E como por magia, soltam-se as letras uma à uma
Indo livremente aninhar-se nas arvores
Onde aguardam que as colha e as deguste
No tempo em que amadurecem os frutos do Outono
E como a romã, abrem-se uma a uma
A seu tempo
Sem pressa
E do ouriço da castanha surgem os pregões a estalar no assador
Dos figos sai a mais doce aguardente
A marmelada cai da letra amarela
Enquanto as nozes se aconchegam nas tartes quentes…
E perante isto,
Coloco na lareira o lápis de carvão em brasa
E o jornal diário no arquivo do tempo.



sexta-feira, 8 de outubro de 2010

EM.CANTOS


Em..cantos

Em. cantos meu
Onde se aninham os mais íntimos segredos
Encontro-te
Em cada curva das linhas que nos cosem a alma
Em cada recta com horizontes a finalizar caminhos
Espero-te
Em mim encantos teus
No cheiro que não passa
Nos sons que me recordam suspiros
Nos doces sonhos enrolados em algodão
Jaz ainda no lençol da pele a essência
Dos dois em um
Salgados
Doces
Embriagados de loucura sem grau
Impossível de não arder
Em. cantos meus
Encontro-te
Nas impressões que te identificam
Interna seiva que circula incolor
Em artérias e veias que dilatam
Pulsando o desejo de mais ainda
Incontido o palavrão, sem ofensa das paredes
Onde nos confessamos cada vez que nos purificamos
Em baptismos sagrados
Com gotas das nossas águas
Em.cantos meus
Encontro-te
Em rezas em surdina
Com tanta fé que me torno a Matriz
No limite do triz
Grito
Em.cantos
Dou a carne em sacrifício
Minto se faço santas as intenções
Quero converter-me
Á única religião possível
Onde o Deus do amor se personifique
Com s.exo
Vinho
E hóstias bebidas por nós
No canto dos coros angelicais
Faço a dança do meu ventre
Em.cantos fatais
E no fim reencarnamos de novo em nós.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

MEDO DO ESCURO


Acordou ainda sem ser dia
E a falta de luz encandeava-lhe a visão
Como aparição, ali à sua frente
Um vulto
Sorria
Ironicamente mostrava aquele sorriso da felicidade dos outros
Em gozo arrogante, espelhava no rosto orgásmicas feições
Olhou o relógio, ainda nem duas horas dormira
Bebeu a água do copo que colocava habitualmente junto à cama
Como ritual molhava os lábios febris durante os sonhos
Esfregou os olhos e quando os voltou a abrir estava novamente só
Tentou adormecer de novo
Mas novamente ouviu as horas nocturnas passarem como marcha fúnebre
Uma a uma sem badaladas anunciado o tempo novo
Apenas sabia ser outra hora pela quantidade de água que exista no copo cada vez que bebia
Recusava-se a abrir os olhos
Não suportaria novamente ver aquele rosto de gozo
Sem saber se adormeceu entretanto
Quando bebeu a ultima hora da noite
Levantou-se com a luz a entrar por entre as frestas da janela de madeira
Ao olhar o espelho sorria
Com aquele sorriso da felicidade dos outros estampando no rosto..
Encheu novamente o copo com água
Deitou-se
E contou uma a uma as gotas de um novo dia de sonhos
E sem medo enfrentou todos os vultos diurnos

http://www.youtube.com/watch?v=sqK7Ys155j4

domingo, 3 de outubro de 2010

HORA DO BANHO


A carta estava escrita há muito
Faltava definir o destinatário
Selo no canto direito
Com o carimbo dos lábios rosa
Depois de passar a língua, fechou a carta com todo o cuidado
Suspirou
Nada a faria voltar atrás
Pegou na garrafa vazia de vodka que abrira no inicio da noite
Ainda restava uma gota que se apressou a lamber do gargalo da garrafa
Sorriu
E colocou lá dentro a carta
Como nos filmes que vira tantas vezes…
Sentou-se no chão
Encheu a banheira com agua bem fria
E ondulando em seus olhos..um mar revolto
Deitou a garrafa e junto os sais de banho…
Despiu-se e deitou-se também ela na água
Certamente, mesmo que demore algum tempo,
Seriam encontradas numa praia envoltas em algas e restos de conchas
Restava a esperançam que o fim fosse um
Happy end…
Porque ela detestava estar inchada de chorar, quando se acendiam as luzes da sala de cinema!

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

SEM TITULO


Não havia estórias de amor
Nem princesas adormecidas à espera de príncipes
Era um livro grande e de letras confusas
Já mal se viam as virgulas em algumas frases
Noutras, os pontos finais findavam parágrafos inexistentes
Em roda pé, mal se conseguia ver o que o autor tentou dizer depois de estar tudo dito
Nas margens, dedadas marcavam as paginas mais difíceis com vestígios de impressões…
Os capítulos sucediam-se sem ordem fazendo todo o sentido a quem o lia.
A capa, de pele rugosa, seca e escura, mostrava indecifrável um único nome.
Na ultima pagina um ponto de interrogação manuscrito, deixava na duvida o leitor.
Depois do suposto fim, não conseguiu fechar o livro e adormeceu com o cigarro em chamas entre os dedos.
Os sonhos foram de contos de fadas e de estórias de amor.
E depois em cinzas, conseguiu-se finalmente decifrar o titulo da obra…
Mas ninguém soube quem foi o autor…
O prémio Nobel seria entregue ao homem invisível e ainda hoje é leitura obrigatória o livro da vida de cada um.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Shiuuuuuuuuuuuuu


Os dias juntam-se aconchegados em memórias, com cheiros e paladares agridoces, guardados como as cartas de amor, em caixas de tempo enlaçadas de cetim cor de rosa.
Os dias já são noites e nem se pôs os sol no horizonte dos teus olhos…
Os dias já são noites sem que haja ao longe estrelas cadentes, para que possamos pedir em segredo um desejo…
Os dias são noites arrependidas, escondidas entre reflexos do sol e o barulho das ruas…guardamos a lua nos bolsos, o silencio nos lábios, as estrelas nos olhos e seguimos com a noite escura no peito.
Os dias são noites que crescem em nós
Aflorando a pele como o sol a desflorar o dia virgem

Os dias são noites que crescem em nós, cada vez que nos deixamos ficar em sonhos adormecidos…esperando que nos acordem com um beijo.

sábado, 25 de setembro de 2010

PRAIA DESERTA




Ias e vinhas nas ondas…
Salgando o meu corpo adormecido
No chão erguíamos castelos de espuma
guardados em muralha de areia fina.
Entre conchas escondíamos pérolas,
nossos tesouros mais íntimos
Tão puros
Tão nossos
Tão segredo
Antes do amanhecer
Fazíamos fogueira com ramos secos
e dançávamos nus como crianças
Com risos traquinas
Olhares marotos
Chamavas-me sereia e eu ria.
Depois, nadava mais uma vez até ti.
Parecia ser sempre esse o sentido da corrente.
Exaustos, deitávamo-nos de mãos dadas
e deixavas-te ficar aguardando calmamente a maré
Em silêncio eu olhava as estrelas
não a querendo ver chegar.
De dia procurava a tua bravura nas ondas
Lançava-me ao mar em busca dos teus abraços
e abandonava-me nos beijos salgados só teus.
Passeava na areia molhada na busca de um ou outro dos nossos segredos
Sorria ao ver o pôr-do-sol,
breve chegaria a noite
E tu... na próxima maré…

terça-feira, 21 de setembro de 2010

O QUE QUERES SER QUANDO FORES GRANDE?


O QUE QUERES SER QUANDO FORES GRANDE?

O tempo corre solto pelos teus cabelos

Muda-lhe a cor e transforma a planície em ondas de um mar revolto
...
Escorre pelo corpo e deixa um rasto de vazio

Confundem-te com o tronco da árvore de casca grossa

E sorris sabendo-te capaz de albergar ninhos de cegonha

E a sombra dos ramos de folha caduca

Serve de albergue para qualquer vagabundo

Não vergas ao peso dos frutos

Mas sabes-te frágil ao peso das mãos que os colhem

Ofereces uma maçã em troca de um bicho que te consuma

Cansada de ser tronco

Casca

Árvore de raízes profundas

Aqui e ali fica um cheiro a maresia

Sobe e desce sem que a lua decida quando deves parir

Já passaram nove luas e deixas-te ficar a arfar

Como se fosse um quase quase..a hora

E a luz não se dá sem que antes pagues a factura do tempo gasto

Dói-te as pernas

Cansadas de tanta corrida sem grande movimento

Aquelas veias que saltam querem apenas impulsionar-te a continuar

Mas hesitas sempre

Sabes-te maré cheia

E não há árvores com marés!

Sentas-te um pouco

Aguardas a hora em que a lua deixe de te tentar

E se houvesse um eclipse?

Um eclipse lunar em noite de Lua cheia!!

Mas rapidamente, o medo lendário dos lobisomens, faz -te afastar tal ideia.
Continuas sentada

Enquanto o tempo corre solto pelos teus cabelos

E as marés são mais que os marinheiros em mar alto

Lembraste-te de como poderias ser canoa

Mas a ideia de jangada fascina-te

Afinal de uma árvore podemos fazer tanta coisa!

Mas continuas sentada

Desististe de fabricar a arma, a roda, o barco

E se investisses toda a matéria prima numa cadeira?

De braços fortes, para que não faltem abraços

De acento de bunho, com mãos a entrelaçar o tempo

De baloiço, para que se adormeça como num colo

E o tempo corre solto...ainda.

Enquanto isso.. sabe-te bem baloiçar nesse abraço e adormeces ainda como menina acabada de nascer.

E se alguém te perguntar o que queres ser quando fores grande, respondes sorrindo…

Quando for grande quero ser uma Cadeira de baloiço!



quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Epi..Derme



Escondo-me
Não importa se nem sei contar ao certo o tempo da procura
Sei que não devo sair antes que me salve..
Ao longe continua o som do tempo
22
23
24
25
E um grito de aviso para que nem atreva a espreitar
De repente já não quero sair
E o som continua a martelar
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47
48
Ainda não!!
Sei que quero gritar mas só o pensamento grita
E seca-me a pele dos lábios
Angustia
Medo
Já sem saber bem o porquê
E do que fujo
Mas peço-te
Esconde-me!!
Só mais um pouco ai

Clã...destino



Sem acreditar
Segue-se a marca do dito
Em grupos organizados pelas normas sem grande normalidade
Sem rei nem “rock”
Canta-se o fado desgraçado
Usando roupa de ardina
E a canastra da peixeira
Vende-se boatos como quem oferece rosas
E segue em frente descarado
Gingão e destemido
O destino mal…dito
Traçado sem perfeição
Prendem a culpa
Matam a revolução
Sem saber que com mordaça
Mais força nos darão
E se porventura enlouquece
A desculpa acontece
E a fuga tem perdão
Muda o refrão
Cantam baixinho
Clandestino o sentimento
Loucos os apaixonados
Sábios do poder dos outros
Escondem o poder que sentem
E numa noite qualquer
Em que os pensem calados
Surgirão enamorados
Feitos homens e mulheres enlouquecidos
Por ruas e becos sem saída
Trocam as voltas
Dançam o tango em som de acordeão
Entre beijos roubados
Da sombra sairão
Que importa os outros fados?
Que se amem os mal amados
Que nos pensem ser ladrão
E o amor apenas dado
Seguem em frente disfarçado
Clandestinos sem razão

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Pé ante Pé


Shiuuuuuuuuuuuuuuuuuu
Pé ante pé
Desceu as escadas silenciosa
Passou pelas divisões onde já dormiam todos os pensamentos do dia
E as coisas vivas e quotidianas que de noite ficam inanimadas.
E ela mesmo assim ia descalça
Não fosse a noite ter-se esquecido de anoitecer a sério e o que pensava adormecido estivesse apenas a fingir-se ausente.
No corredor que liga estes dois espaços, ficava a estante do Entretanto..
Do que acontece Depois De… e Antes De…
Sentou-se no chão e percorreu com os olhos tudo o que ela continha
E num movimento brusco tomou a decisão!
Deitou pelo chão os entretantoS todos..e eram Tantos!
E deixou-se ficar a saborear o momento em que não se espera nada a não ser…o mel que ela escondia no fundo de um entre..tantoS…
Doce..
Pegajoso…
Escorria-lhe por entre os dedos enquanto o tentava saborear vagarosamente…querendo prolongar o momento Depois De..e Antes De..
E é assim que passaram a ser todos os seus entretantoS…doces e melosos…
Pé ante pé, voltou a passar pelas divisões das coisas que dormiam, subiu as escadas e deitou-se de novo..
Lambias os lábios doces e… EntreTanto amanheceu sorrindo…ela e o Depois De!


domingo, 29 de agosto de 2010

Não me peçam para acordar...


Sorrias assim daquele jeito que te faz menino
E eu rendia-me a cada gesto teu
Sentada na cadeira de baloiço olhava-te de longe
Eu e tu no alpendre com buganvílias roxas.
E a lua, iluminava-te o rosto como se fosse o único em terra
Não sei se existiram noites de verão tão quentes como aquela
Mas nem a brisa conseguia disfarçar o calor dos nossos corpos. Este, salpicava-nos a pele morena como o orvalho faz pela manhã às rosas…bebíamos apenas de nós com a certeza que nos bastávamos.
Sorria-te em cada palavra que lia nos teus olhos,
E tu não deixavas de falar tudo que já sonhara antes
Inventaste-me na letra de uma canção de momento
Eu, sem saber como, dançava em cada uma das cordas da guitarra que abraçavas.
A letra falava de homens e mulheres imaginários, das vidas, das mortes, dos sonhos feitos e desfeitos, do amor dado, do vendido, do esperado…e na tua voz tudo me parecia tão bonito!!
Sorria até nas frases triste…por saber minha a tua canção.
Amanheceu sem darmos conta…e ao acordar, na cadeira já sem baloiço, foi como se nunca tivesse adormecido antes.
Tive um sonho num alpendre com buganvílias roxas…sonhar deve ser assim!

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Era uma vez...ainda!


Há um lago ao fundo do caminho
Era de uma cor incerta, uns dias ao olha-lo parecia azul, de um azul que só existe nos teus olhos quando te ris ( quando te ris, os teus olhos possuem todas as cores do arco-íris)
Outros, era levemente verde, como a brisa da tarde de primavera e nadavam nele as almas nuas das sereias, só podendo ser vistas pelos pescadores de sonhos.
Nos dias em que negro ficava, a chuva caia no sentido das nuvens de tal forma que seria impossível andar com os pés no chão. E era lodo, limos imundos, a tornar o lago num pântano de onde saiam todos os monstros das histórias em que não se é feliz, nem mesmo no fim.
À volta do lago os malmequeres desfilavam vaidosos, mostrando as pétalas coloridas às borboletas sem asas que se arrastavam por ali. Todas elas saberiam que um dia teriam asas das cores dos malmequeres que as cativaram antes.
O caminho que levava ao lago era de terra vermelha, daquele barro com que se fizeram todas as coisas e os homens.
Era raro encontrar pegadas recentes, todas as marcas eram antigas, umas levemente visíveis e outras bem marcadas e exageradamente grandes…havia quem dissesse que dava azar pisar numa pegada de antes, e cada vez que por lá passavam era vê-los saltitar como tolos, apenas para não correr o risco de constatar a mentira.
As pegadas recentes, por não existirem, não tornavam os homens tão tolos como as pegadas antigas..mas havia quem as conseguisse sentir pelo tacto…e só quem andasse descalço saberia ao certo se passara por ali alguém recentemente. Este facto dava aos homens pobres um poder especial e nunca mais quiseram andar calçados, mesmo se o pudessem fazer.
Este caminho que levava ao lago tinha curvas apenas nas subidas, havia quem levasse dias a conseguir chegar ao lago, principalmente se fossem homens calçados.
Nas bermas, as árvores tinham os troncos desproporcionais às copas, levando a crer a quem passava, que não se aguentariam muito na primavera quando chegasse a altura de terem frutos. Mas nessa altura, curvavam-se no sentido oposto a quem passava , como que a abrir caminho ou a evitar dar cuidados desnecessários. E não consta que alguma delas tenha cedido ao peso da vida…desde ai se diz que elas morrem de pé, mas é apenas a ignorância dos homens calçados que o diz, porque os homens descalços, tal como sentem o presente, também sabem que há coisas imortais.
Quando alguém chega ao lago, e dependendo da altura do ano em causa, é quando acontecem os milagres.
Se estiveres a rir, os homens que nadarem nus no lago sentirão o valor do esforço do caminho e morrerão como as árvores..
Se chover na direcção do céu, só os homens descalços saberão que existem sereias e transformam-se em peixes voadores. Os calçados apenas podem ouvir os cânticos mas nunca o dirão a ninguém.
Se houver lodo, dependerá da escolha de cada um a possibilidade de encontrar o caminho de volta.
Contam que desde que o lago é lago, e desde que o barro da estrada deu origem às coisas e aos homens, que nestes dias poucos foram os que conseguiram regressar…mas todos os que o conseguiram vinha mais fortes, caminhavam juntos e cada um trazia apenas um sapato nos pés.
Há um lago no fim do caminho…








terça-feira, 24 de agosto de 2010

Não era bem isto..mas continua a confusão.alguem cala o galo?


A continuação que nem sabia que existia..
A história passava-se na altura em que há a consciência do erro e alguns animais falavam, dizem…
Embora sabendo todas as respostas, eles insistiam em se questionar todos os dias..falo dos animais sem consciência do erro ainda.
Logo pela manhã, era o galo que despertava e assim, meio como quem nem sabe qual é a sua obrigação na terra, cantava do alto do poleiro, abrindo as asas cheio de penas ao mesmo que o bico sem as ditas, deixando o mundo acordado para mais um dia de sol ..mesmo que fosse de Inverno.
E as pessoas acordavam alegres e contentes, lavando os sonhos dos olhos, pintando o tempo do rosto, vestindo a pele que escolheram no dia anterior.
E iam para a rua, seguindo em frente, virando à esquerda na rua da leitaria, descendo a rua da esperança. Subindo a da Fé, alguns paravam na rua da Caridade, mas logo de seguida seguiam em frente, rumo ao destino marcado.
Lá, na rua do destino, encontravam de tudo como nas feiras.
Alguns escolhiam o mesmo de todos os dias e eram trabalhadores de pica ponto, só parando para a bucha e almoço porque tinha mesmo que ser. Depois saiam à tardinha, apanhavam o meio de transporte auto programado pelo sistema, ligavam a RFM ou a Comercial (dependendo da onda de cada um) de regresso ao lar doce lar mesmo, que fossem diabéticos.
Os que iam a pé, paravam no parque ainda a tempo de olhar os pombos, ficavam sem saber se deviam dar milho ou maldizer a falta de ar que lhes causava a alergia às aves…na maioria das vezes faziam as duas coisas, um alérgico também pode ser amigo da natureza. Bastava que a senhora que se senta todas as tardes aquela hora no banco vermelho junto ao lago dos patos, se levantasse para ir gritar ao neto para que este não se sujasse (coisa que acontecia por voltas das 18 h e 47 m) que os nossos amigos, Pessoas com mobilidade reduzida ao tipo de sapato, ou aos calos, e sem FM ou comercial, pudessem puxar do outro que, sem ser criança, têm lá dentro…e quase que voam com as pombas a quem davam o milho que traziam escondido nos bolsos. Quase, só quase porque a Sr.ª voltava a sentar-se no banco passado os 4m e 12 segundos habituais e do bolso do milho saia novamente o lenço de risca azul anil para tapar a boca, enquanto abanando a cabeça se afastavam do local.

Outros, com menos convicção na máxima de que o trabalho por conta de outrem, honra e dignifica o homem, passam o dia a existir com convicção..digna e honradamente sem se cansarem muito. Uns têm gravatas ou borboleta (dependendo do tipo de fato ou se de facto o são), há os que tem umas grandes pastas, outros só secretária, há os que viajam muito para fora do pais e conhecem o Allgarve. Estes também sofre de alguns males, menores, dirão alguns, porque com os males dos outros…mas não constam que gostem de pombos, embora a columbofilia seja um passatempo considerado com algum interesse. É de bom tom ter alguns Hobbies mas há também quem tenha apenas bobys ou mordomo. Por vezes são olhados como “os outros”, “aqueles” que fazem o IRC e costumam ter médico de família.
Mas já o dia ia a meio quando se levantaram os outros ainda mais outros, os que não precisam de galo, mas de loucura para enfrentar o dia (deve ser assim tipo uma catatua), e esses fazem tudo o que gostam e com prazer. Uns pintam, outros escrevem, uns dançam e dão cambalhotas, outros há que fazem tudo, dançam enquanto pintam e dão cambalhotas enquanto escrevem…mas não constam que tenha grande saúde (suspiram muito e têm perdas de inspiração, mesmo nunca tido algo digno desse nome) nem são vistos por todos com bons olhos, depende muito do tipo de letra e das lentes que se usam..antigamente poderia ser também devido à falta de cultura, hoje pensa-se que não se pode atribuir culpas à dita pois há oportunidades novas. O dia destas pessoas começam geralmente quando não acordam dos sonhos, costuma ser noite e é vê-los como se tivessem a acordar…meio estremunhados e de cabelos sem muito pente. Uns são mais rústicos e passam os dias em bairros sociais, fazem do povo a força de inspiração e dizem-se o povo inspirado. Outros mais requintados, conhecem todas as palavras difíceis chegando mesmo a serem os próprios palavrões. A generalidade não gosta do acordo ortográfico embora gostem muito de invenções.
Um dia, na Rua do destino marcado, entre encontrões, buzinadelas, palavrões e alguma indiferença, cruzaram-se estes espécimes em hora de ponta…
E depois?
Porque raio tem que haver sempre um depois?
Mas consta que os animais já não falam como antes…e as pessoas continuam a errar, com ou sem grande consciência.
Esperemos que o galo cante pela manhã…que ele não gosta muito de Variações…se é para amanhã…que seja!




MATA Borrão


Precisava de mudar
Voltar atrás, fazer de novo.
Lembrava-se de como antigamente, nos bancos da escola em que vestia bibe e usava tranças com dois laçarotes na ponta, podia escrever cem vezes a palavra certa e quase de certezinha que não voltaria a errar.
Agora Sorria, por saber que era mais o peso do castigo, em forma de bruxa má e com uma mão bem pesada, do que o próprio acto de repetir correctamente, que a faziam lembrar que - Não era assim!!
Ou de como podia sempre sujar o vestido novo, ou partir a jarra antiquíssima da mãe, e com aquele olhar de menina assustada, disfarçando a maldade, dizia : foi sem querer!
Mas e agora?
De que vale escrever correctamente as palavras se depois, talvez por não haver outro castigo senão a própria consciência, haveria sempre uma próxima vez em que voltava a errar?
E tendo a noção do erro, erra vezes sem conta!
E se usasse corrector, assim como fazer de novo ou passar por cima?
Rasurava mas ficava sempre a marca, fingia que não doía mas era com tanta força que riscava por cima do erro que por vezes era inevitável o rasgar da pele.
Já usara lápis de carvão, embora fosse mais fácil de apagar deixava sempre a marca cinzenta..assim como sombra a pairar no ar, para que não se esquecesse de que mais uma vez voltara a cair na asneira de agir sem pensar.
Depois lembrou-se de como as cores davam um certo ar de festa a tudo o que fazia e passou a colorir com elas todos os seus dias. Pintou com lápis de cera, guache e aguarelas e fazia do destino uma tela, obra de arte diria, não fosse a técnica de dar ao erro uma outra cor muitos diriam que era um grande pintor! Fazia de qualquer pequeno erro ou da maior asneira , uma flor, um arco-íris, uma árvore, um pássaro ou até um castelo de nuvens… só ela sabia que antes a flor tinha sido um pequeno amor que ficará a meio caminho, ou que o arco-íris começara de uma dor daquelas que só a gente pensa que sente. Mas pintava e sorria, até que um belo dia achou que bastava de disfarçar e resolveu mudar .
Pegou na caneta de tinta permanente e com ar de gente inteligente, começou a escrever com todo o primor. Desenhava as letras como quem fazia sonhos, filhós de mel ou algodão doce, com tanto cuidado e lentidão, não lhe fosse fugir a mão ou algum outro horror…mas em cada hora nada mais surgia do que a primeira linha da sua história. Mal colocava o ponto redondinho com todo jeitinho no fim da linha simplesmente adormecia, e ficava assim como quem cai não cai…na folha pautada como uma princesa encantada.
Ao acordar sentia-se mal, pensou ser vertigens, doença rara ou até simples falta de vista, mas depois de olhar para o lindo ponto final, descobria que o seu mal era querer evitar errar e começava a matutar numa outra forma de poder escrever sem doer ao remediar.
Desta vez foi mesmo com pincel e sem se lembrar do papel, pintou o tecto, o chão, o cabelo, o nariz e as mãos. Estava tão entretida a pintar a própria vida, que nem reparou no boião de tinta que deixara ali pelo chão. Num gesto mais entusiasmado, deu um pontapé no coitado que este, mesmo sem gostar de se derramar sem ser para pintar e ficar, caiu de repelão no umbigo da criatura e assim como se fosse uma loucura, ela sem saber bem porquê, pensou:
- será que posso usar Mata Borrão?

(deve ter continuação…sei lá!!)