Com_traste

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segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Culinária...receitas tradicionais.


Alguma coisa não batia certo
Como sempre, em tendo na cabeça um pensamento teimoso
Não tinha outro remédio senão ceder e pensa-lo
E pensava-o vezes sem conto
Ora pegando nele com jeitinho
Assim como quem cativa o menino com um doce
Ora de uma forma mais zangada
Fazendo-o andar às voltas na cabeça
Na esperança que se cansasse e por fim se rendesse
Mostrando claramente o porquê da insistência
Da necessidade de ser pensado
Mas destas vez nada resultara
Parecia pensamento independente
Com vida própria
Algo egocêntrico
Daqueles que se detestam à primeira vista
Já tentara de tudo
E quando se diz tudo, é de tudo mesmo
Tentou olha-lo de fora para dentro
Dizem que se deve olhar com objectividade para as coisas
E como que por magia as coisas surgem mais claras
Mas não, ele insistia em ser pensado sem se revelar completamente
Depois, olhou-o bem no âmago com olhar fixo e seguro
E nem se importou de se sentir a ser sugada
Rodopiando a velocidade maior que qualquer ideia luminosa
parecendo um devastador tornado que furioso engolia o mundo à sua volta
Mas em vão
Apenas ficava mais despenteada e o pensamento continuava sem se alterar
Por fim pensou deixar de pensar
Falando alto
Martelando outras ideias nas teclas do computador
Desenhando pássaros verdes em nuvens cor de rosa e um sol daqueles que sorriam
Mas o pensamento teimava e o desenho perdia toda a cor e alegria
Massajou a nuca
Mudou de penteado
Enrolou as pontas do cabelos em rolos quentes
Na esperança de que nos caracóis ele se entretece
Fez balões de pastilha elástica até estes rebentarem no rosto
Mas apenas conseguia ficar sem folgo
Cansada e de cara plastificada
E o pensamento continuava a circular como se tivesse vida depois de vida
Pensava até que havia momentos em que ele lhe entrava pela circulação
E a invadia toda
Completamente toda, todinha!
A comichão no dedo do pé esquerdo
Era o pensamento numa tentativa de a levar por maus caminhos
Aquela dor nos joelhos logo pela manhã
Era o pensamento a tentar deitá-la ao chão e abusar dela
E a dor de barriga horrível
Conjuntamente com uma pressão no rins
Era o pensamento a tornar todos os seus dias em dias difíceis
E aquela borbulhar nas partes intimas
Só podia ser o pensamento a violar a sua privacidade
Já nem desconfiava da dor de dentes
O pensamento tornara-se negro propositadamente para passar por carie
E moer, moer, moer até mais não
Mas quando o pensamento invadiu o coração
Ela perdeu a cabeça
E esqueceu da razão que a movia sempre em contraponto ao coração
E enquanto o pensamento no coração pulsava
Juntou-lhe a agua que bebia
Um pouco de bom senso em pó
Uma pitada de alucinação
Uma mão cheia de euforia
Duas folhinhas de baunilha derretidas em banho Maria
Sal QB para não descontrolar a tensão
Um pouco de resignação, nem usou a colher de pau
Duas pedras daquelas que se usam para pisa papeis, depois de terem sido colocadas em vários assuntos
Quatro gotinhas de limão bem contadas
Um cálice de licor bem doce, com teor alcoólico elevado
Aquele usado nos dias de procissão
Por fim, uma dose de satisfação
Bem pesada
E depois de já não faltar nada
Colocou em lume brando e foi mexendo
Mexendo e remexendo
Até chegar ao ponto
De evaporação
E retirando a tampa
Deixou sair a fumarada
Já não pensava em mais nada
Serviu o prato e empanturrou-se
Lambendo os bocadinhos que lhe escorriam da boca
Sorrindo pensou-se louca
Mas…logo depois “despensou”
Comeu até ao fim
Lambeu a colher
E raspou os restos
Depois?
Amnésia , diagnosticou o médico que a mandou internar no dia seguinte.
E ainda hoje, a receita para pensamentos obstinados
É…cozinhá-los em lume brando e ir mexendo..mexendo..mexendo ..até se esquecer.
Bom apetite!

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Cabra Cega


Por vezes cego-me com a visão das coisas
E depois nem consigo abrir os olhos..com receio
De que seja realmente…verdade!
A perspectiva do lado de fora
é-me dada pelo interior da íris
Que como desenho inacabado
Espera que lhe dê a cor dos meus olhos
E eu…pinto a realidade
Misturando os tons de cinza da incerteza
Com o negro da venda que me protege dos raios
Nos dias em que a claridade surge…surpreendo-me
Disfarço a ilusão de óptica anterior
Com um piscar de olhos comprometido
E na sedução do acto
Volto a cegar a vista
Porque é na escuridão das coisas
Que me descubro capaz de tudo

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Dores de Crescimento




Era pequena mas ainda lembro, um dia, ou dois no máximo, com umas dores a moer os ossos,
um pouco de febre, sem outros sintomas preocupantes e alguém dizia logo do alto da sabedoria dos crescidos: isso não é nada,são dores de crescimento!
Naquele momento a gente queria crescer logo..ser grande..ser o mais rapidamente possível, Pessoas como as outras..de salto alto e batom, ter uma outra pessoa grande a quem chamaríamos amor, trocar a boneca de trapos por um bebé a sério, tínhamos tanta pressa!
As dores de então passavam a ser aceites com uma sensação de vitória, pena era que não se notava muito o crescimento quando nos encostávamos à parede do quarto ou nos colocávamos disfarçadamente perto da mana mais velha, o espelho por vezes era o único que nos dava a visão real das dores. ..pensando bem ainda hoje o é. Depois de cada dor sem necessitar ir ao médio, tomar remédios que nos causam náuseas, levar injecções, caso o enfermeiro nos conseguisse apanhar antes da fuga ou do desmaio, eram dores abençoadas…
Depois, um pouco mais tarde as dores de crescimento doíam de verdade, sangrávamos para ser mulher..e doía, doía muito também. Nesta altura poderiam dizer tudo sobre a importância do momento, que o facto nos assegurava, em principio, a possibilidade de embalar no colo algo mais que bonecas…mas a sessão do sofrimento que causava o ser gente grande, não deixava saborear esse momento como antes, dias depois era em voz pequenina, envergonhada e com algum orgulho que partilhávamos o segredo com a melhor amiga, outras ouviríamos a mãe contar a alguém, com uma sorriso maroto nos lábios, que a filha pequena estava ser crescer a olhos vistos .
Nessa altura, caso fossemos mais atentas e não tivéssemos a ilusão e a pressa, deveríamos ter aprendido logo que crescer é dor e não há sempre remédio que nos tire esse sofrimento.
O algodão com agua oxigenada do qual fugíamos a sete pés, mais tarde seria gasto em vão…
As dores de crescimento passaram depois por nós no primeiro amor não correspondido, nas noites em que nos diziam que não poderíamos sair até tarde, no querer ter algo que pensámos ser de direito e mais uma vez nos era negada. Mais tarde a dor maior, a dor de parto, compensada com a enorme alegria de ter finalmente o filho desejado..com eles outras dores que sentimos por osmose e entendemos que um dia mais tarde iremos sentir as dores de parir um neto, que a nossa mãe tantas vezes no falara.
Depois a dor da ausência dos que amamos, temporária ou definitivamente..e ai gostaríamos tanto de não ser grandes!
Mas hoje as dores de crescimento que me andam a roer os ossos, a fazer comichão na alma, que me levam a morder os lábios como quem tenta controlar o gemido, a dar comigo a agarrar pensamentos arquivados a dizer ais e uis em cada respirar, são as dores de aceitar as via, as opções que tomamos e o acto permanente da duvida de quem somos. Essas hoje fizeram-me lembrar as antigas dores nos ossos de menina…
É que continua a doer crescer…embora talvez agora disfarcemos o nosso tamanho, não nos encostando às ombreias das portas e fugindo da menina grande a quem ainda chamamos bebé, quando esta nos agarra em risos incontidos e nos chama pequenina.
O espelho continua a ser fiel, a mostrar-nos a verdadeira fase de crescimento em que nos encontramos, é nele que nos revemos tal e qual, até naqueles das feiras em que a imagem disforme do corpo não esconde realmente quem somos.
Mas doe-me, doem-me os ossos que parecem soltos por debaixo da pele, o peito que arfa descontroladamente em cada pensamento mais revolto, dói-me as mãos que agarram o vazio, a pele…a pele seca depois do banho de horas e de massajada em movimentos íntimos.
Dói-me o olhar preso do mesmo sitio, a visão do que tem que ser, a ausência de ilusões de óptica ..dói ver que está a acontecer…a realidade.
Depois digo em surdina..vá aguenta, são dores de crescimento, já vai passar.
Talvez se eu crescer muito …passe.
Só espero que o reflexo no espelho não me minta.

Crónicas Marcianas




É tarde demais
Deixara o bolo tempo demais no forno, agora era mel em torrão
A roupa secara tanto no estendal que facilmente vestiriam um espantalho
O banho gelara, em vez de sais colocou pingos de limão…e dois dedinhos de aguardente.
Na água do copo, os mosquitos treinavam para as provas de natação sem estilos
O leite já se comia à colher mas sem prazo de validade visível…os mais cuidadosos continuavam a bebe-lo.
E o chá não seria mais das cinco, há sempre lugar para mais umA..juntando agua quente ao banho do saquinho.
Do livro a palavra fim tornou-se desnecessária e os iletrados reclamavam por novos capítulos fazendo sorrir a ministra da educação.
Do relógio, todas as horas se repetiam há muito, mas alguns minutos fizeram-se esperar uma eternidade…
O carro teria que ir para revisão, mas fritou mais uma dose de batatas
O peixe do aquário da sala, dançava no chão ao som do Abrunhosa enquanto Darwin sorria no caixão.
Na revistas da ultima moda passeavam-se mini-saias, mas ela tentava vestir a custo as suas jeans de eleição.
Os sinos tocavam antes de o defunto o passar a ser, e o coveiro da aldeia tornou-se amante de várias mulheres.
No final da tarde servia-se a ceia e todos os dias se ouviam promessas de ser a ultima.
E no buraco do rato um gato escondia-se da refeição
O fumo dos cigarros proibidos, enchia o peito dos advogados de acusação
Na prisão, já nem se vestiam fatos às riscas, evitando assim o trafico de droga.
A velhinha decidira ajudar o escoteiro e destravou a cadeira de rodas numa descida
O escoteiro foi multado por não passar na passadeira, quando tentava agarrar a cadeira da velhinha
A zebra que sofria de anorexia nervosa, não passava de um ponto negro no meio da confusão dos equídeos e morreu feliz.
O psicólogo que descobriu a causa da alucinação colectiva, foi condenado à pena de morte por atentado ao pudor.
O homem do talho colocou o anuncio na vitrina “a quem levar os ossos oferecemos a carne”
A amante do Ministro das Finanças deixou-o, por estar farta de ser mais uma.
A mulher do Ministro das Finanças deixou-o, descobriu que havia outra.
O Ministro das Finanças foi acusado de crime passional, consta-se que houve denuncia anónima de dez milhões de vitimas de ambos os sexos e alguns hermafroditas.
Os negócios de prostituição estavam em alta na bolsa
A bolsa das prostitutas encontrada morta na berma da estrada, continha apenas um batom e dois preservativos fora de prazo.
O lobi do mercado da ribeira conseguiu transformar a caldeirada de peixe do rio com batatas a murro em prato nacional.
As bananas da madeira invadiram o Continente e manifestam-se contra o nacionalismo exacerbado de alguns mamões.
O Pingo Doce concorre ao festival da canção 2011, mas consta que o Modelo apresentado por outros concorrentes levou o júri a ser acusado de se deixar influenciar pela imagem.
Extraterrestres decidiram abortar a invasão do planeta terra, não fazia sentido uma vez que já está legalizado o feito.
Aumenta o desemprego numa medida proporcionalmente inversa ao prometido, e o governo toma novas medidas. Acusa a matemática de ser ciência pouco estudada, podendo ser claramente confirmado o erro de calculo, desde que se dê aos números o beneficio do erro e a possibilidade de fazer exames na fase seguinte.
O Português passa a ser língua moderna e Dilma acusa Sócrates de plágio.
Os editores esfregam as mãos, surgem um novo creme hidratante no mercado, o Halli-b-à-bá e um Sem número de aldrabões…o genérico ainda não foi inventado.
Deus resolveu mesmo existir depois de tanta insistência dos homens
O Diabo está a considerar a hipótese de processar o ser humano por exercerem sem diploma.
E tarde demais, chegou o telegrama do Brasil, a Esperança falecera não aguentando a pressão de ser sempre a ultima, familiares e amigos aguardam no aeroporto o próximo voo…surge na Tv um aviso de ultima hora, afinal O Red Bull era uma invenção dos Comunistas e foi mandada retirar do mercado pelo Pai Natal.
As companhias aéreas abrem processo de falência…acusam o governo de má gestão do espaço aéreo nacional e a liga Portuguesa de Columbofilia de concorrência desleal aos CCT.
A Esperança continua no Brasil por enterrar, o primo Pedro Cabral está a mexer uns cordelinhos no Ministério da Marinha, desatando nós e apertando outros, para tentar levar toda a família de submarino.
Uma menina chamada Deolinda ganha o prémio de melhor interprete Nacional e o fado, bem como a massa, passam fora de horas.
Algures no espaço, um ser estranho denominado Mercado(s), vigia a jangada de Saramago, Pilar não quebra e deve ser das poucas que aguenta a Esperança depois da noticia da sua morte.
Alguns construtores civis reclamam do feito, engenheiros assinam sem traçar nada no papel, os juízes sentem nos bolsos o poder dos outros e perdem a cabeça do martelo.
Chega um telegrama do Brasil…Afinal a Esperança só estava em coma, tomara a pílula em doses que lhe causaram infertilidade mas os médicos mantêm-na na ilusão da adopção..reafirmam o valor da vida e a possibilidade de o simplex não ser mais que uma anedota dos malucos do riso, nada os demove. Colocam-na na lista…como não escolhe raça, sexo, idade ou religião há grandes hipóteses de o seu processo ser mais breve…e Esperança possa ser mãe.
Há boatos de queda do governo, a protecção civil acusa alguns Blocos de mal cimentados e avança com equipamento de primeiros socorros para o local.
No meio da confusão alguém vê um rei nu, mas o facto de estar perto do Júlio de Matos pode levar à normalidade do facto.
Alguém grita: viva a Tourada!
E do lado esquerdo da via um mini Verde é ultrapassado por um dois cavalos ..Pan..demónio instalado e agora defende-se a vida em todas as formas..comer alfaces é algo que pode a vir custar caro.
Os Deuses assumem a loucura
O povo continua sereno embora haja sinais de fumo..mas consta que são apenas alguns índios na praia a tentar fazer fogo…

É tarde demais?…falta muito para Abril?
Esperemos que haja vida depois de Marte…ou que alguém encontre um ovo de dinossauro por ai..sei lá!

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Em tronco Nu




Nasci assim, feita de barro de terra Alentejana
Moldada pelas mãos dos Deuses
O berço, de brilho puramente imaginário, balançava puxado por um cordel agarrado ao pulso do Pai e as canções de embalar eram muitas vezes gemidos da Mãe
Não tive muito, mas nunca me lembro de me sentir pobre.
Cresci lentamente como crescem as crianças a quem não se lhe dá pressa de ser gente grande.
Nesse tempo que passou devagar, cresci sem dar por isso, entre laços no cabelo feitos com as mãos antigas e cansadas, vestidos usados mas que em mim eram novos, um relógio de pulso que dava minutos, todos os que via nos pulsos dos outros só davam horas. Cresci entre ruas e ruelas, becos em que a saída era uma porta abandonada.
Pouco a pouco conheci quem era, não me conheci sempre, houve muitas manhã que eu era como a primavera, quase verão mas ainda com arrepios de frio e chuva, as andorinhas eram olhos negros com que me maravilhava a descobrir o mundo, e nesses dias dava os bons dias à nova descoberta, nem sempre de forma simpática, nem sempre fomos amigas à primeira vista. ..mas ainda hoje falam de amores assim.
Cresci e já era tarde para não o fazer, no fundo aceitei o que tem que ser…e temos que ser grandes um dia.
Somos como as árvores, de tronco nu, raízes agarradas à terra que nos serviu de matéria prima quando da nossa criação e de ramos esticados, querendo agarrar mais além…um pouco mais de sol, um pouco mais de ser…o que conseguirmos deixar brotar de nós.

(alinhaves feitos à pressa de um fa©to que poderei voltar a escrever…)

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

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A escrita com que te falo em voz baixinha
É manuscrita com letra de escola primária
Daquela em que a muito custo desenhamos,
Colocamos a língua de fora como meninos marotos
Fazemos força nos dedos, agarrando um lápis de carvão em brasa
E rasgamos o papel de linhas rectas, tão direitas que nos causa lágrimas quando as fixamos
E assim tornam-se vales e montes
Onde a custo tentamos desenhar as letras
Bem torneadas, com todas as linhas, e traços, ondas e ondinhas
Que imaginamos ser pássaros ou flores
A subir as montanhas e descer os vales
A escrita com que te falo em voz baixinha
É sussurro, insegurança, medo
É que é tão difícil o Vê não ser um condor em altos voos
E o Mê um rio ondulado com águas límpidas
Que receio que todos notem que as minhas letras
Da escrita com que te falo em voz baixinha
Não sejam as letras com que se escreve nas folhas de linhas rectas
E que não são bonitas como tanto querem que sejam
Mas eu esforço-me muito
Treino vezes sem conto
E por vezes deito-me sobre a mesa onde dorme a folha quase branca
Não fossem as linhas rectas serem montanhas e vales, e eu adormecia
Assim tento subir mesmo deitada pelas encostas
Agarrando com todas as forças o lápis de carvão
Por vezes aparecem grilos que me cantam baixinho ao ouvido
E ai eu consigo desenhar os Ós de admiração
É devagar que chego ao fim da linha
Olho-a com espanto
Contenho a euforia
Mas encho o peito de orgulho
E faço do i uma andorinha.
Consegui tanto!
Na escrita com que te falo em voz baixinha
Está agora uma seara loira dançando ao vento
Papoilas bailarinas encarnadas
E muitos pássaros de cores impossíveis
Dobro a folha quase branca cuidadosamente
Em partes rigorosamente iguais às minhas
Tantas! Bem dobradinhas
E em cada dobra um sorriso
E a escrita com que te falo em voz baixinha
É agora um avião
Podia ser um barco
Ou uma ventoinha
Mas escrevi com asas longas
Em voz baixinha
Esperando que voo em linha recta até chegar a ti

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Homicídio social




Suicídios diários acontecem na rua da desgraça
Algures entre as portas fechadas e janelas entreabertas
Matam-se vidas em silencio
Um cortar de pulsos ao som de Beethoven
Uma corda pendurada em jeito de baloiço
Uma banheira cheia com espuma de alfazema
Ou apenas um sono proporcionado por comprimidos sorridentes
Os vizinhos mais atentos escutam algo
Mas mandam logo calar o cão
Sabem as regras da boa convivência
E se tiver que ser descoberto o corpo inerte
Que seja depois de empestar a rua de mau cheiro
E não se consiga mais virar o rosto
Nem haja mãos capazes de calar as bocas dos petizes
E ai será a hora
Em que se transportem os cadáveres
E já sem memória todos digam que nada viram ou escutaram nessa dia
“Até que era boa pessoa..bem falante..não se metia na vida de ninguém”
Diriam aliviados
E em outro dia qualquer, quando mais uma alma cansada e solitária se matar
Talvez já nem o cão se canse a ladrar
E nem a rua se incomode com o mau cheiro

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Batalhas!


Aconchegada no tempo que invento, entre o que sou e a minha outra possibilidade
Perco-me em guerras constantes contra mim mesma e o mundo
Os outros são os moinhos de vento que giram sem o vento sequer bulir
E atiro armas brancas como lenços a dizer adeus
Tiro a cavilha da granada que me esqueço de lançar...
Faço avançar a cavalaria das palavras impulsivas
O cenário é medonho
Olhos a raiar de sangue
Boca a espumar
Gritos sem se conseguirem escutar
E eu avanço confiante, ergo o estandarte vitoriosa
Convicta da razão que não possuo
Mando avançar mais e mais
Até que se rendam ou caiam pelo chão
Todos os meus monstros
Sem vida
E no fim…sou a única sobrevivente
Cansada
Limpo o campo de batalha
E começo a desenhar mentalmente o próximo ataque

Dualidades


Gosto do jeito louco
De ser pouco
E da forma como me olham com desdém
Porque de facto o que quero
É ser Ninguém
Ser um quase
Um bocadinho
Não há
Não existe
Ninguém viu
Ninguém conhece
A coisa que por um triz acontece
Um quase, quase
Um talvez
Um não me importo
Não quero saber
Nulo
Abstenção
A possibilidade
O chegar tarde
Já passou
Foi-se
Vaga ideia
Por um fio
Da vela o sopro no pavio
O tempo que fugiu
Cai não cai
Migalhinha
O nó no meio da linha
Meia dose
A incerta
A pausa
Semibreve
Fora de jogo
Unha negra
Aquilo que nunca chega
Os pontos sem união
Linha enleada
Ferida que não dói nada
Folha do livro dobrada
Fim de linha
Interrogação
Incógnita
Sem pulsação
Sombra da aparição
E a própria contradição
Ser ninguém é uma maçada
Vá, sê gente!
Já não dói nada
Tens o treino
A mestria
E como por magia
Surge alguém dentro de ti
E se lhe chamarem ninguém…sorri!

Crónicas Marcianas


O frio ardia já na brasa dos corpos
E pouco a pouco derretera-se os tempo gélido da distância
Ofegavam as bocas entre palavras loucas
Os dedos exercitavam os movimentos já antes estudados em solitário
No momento exacto em que a concordância dos corpos decidiu
Um grito invade o silencio do quarto
Parecia o estalar da terra ou a erupção de um vulcão
O som igualara o implodir de um aranha céus
Depois um silêncio sepulcral …
E a estação mudou à pressa
Lá fora as arvores davam frutos
Os pássaros atordoados, chilreavam meio perdidos
Em voos sem norte procurando o ninho que ainda não fizeram
Do rios vinham os sons das águas em cascata
E desnudavam-se os corpos pelas ruas
Um observador atento
De caneta sempre em punho
Escrevia notas a uma velocidade estonteante
Com receio de, caso se demorasse mais um pouco, ter que alterar a data novamente
Na rádio ouvia-se músicas antigas
E as noticias eram dadas sem grande novidade
A hora tinha mudado sozinha
As pessoas acertavam os relógios e receavam ter dado ao patrão a justa causa
Alguém sentado na mesa do café da esquina olhava perplexo
Sentia-se confuso mas resolvera pedir uma água bem gelada enquanto retirava as luvas
Os governantes receavam uma revolução
E estudavam a hipótese de pedir ajuda externa
Os que sempre foram crentes em Deus
Falavam agora de naves extraterrestres
E escondiam as criancinhas com medo de raptos
O fenómeno repetira-se ao longo do dia e da noite
E durante a madrugada
Depois de um som estranho
Que alguns confundiram com uivos
Um carro parte com as luzes de nevoeiro ligadas
Em velocidade proibida em auto-estrada
Suou um fechar de porta
E quando amanheceu
Nevava, e ninguém ousou falar do dia anterior
Só um jornal noticiou os factos
Mas não se sabe ao certo quando tal aconteceu
Tendo o jornalista sido acusado de manipular a informação
E quando julgado confessou a culpa
Saindo depois em liberdade…Condicional
Consta que passou a escrever romances de amor…que lhe causaram loucura crónica
Causa da sua morte solitária
Doença que até hoje não tem cura

.


Ponto pequeno
Nu
O corpo
Negro
Silencia a frase louca
Mesmo inacabada
Pontua-se antes que faça sentido
Pausa
Desloca-se em orbita
Por entre as quatro paredes lisas
Sendo lua iluminada
Rodopia
E ela continua sentada
Nua
De corpo
Negro
Pequeno ponto
A fazer-se fim
Entre o dia e a noite
Fica aquela hora
Tarde
Sentada
Negra
Do ponto
De corpo
Pequeno
Nu
Até que acorde depois da frase dita como bom dia
Nua
De corpo negro
Pequeno
Ponto
Sentado
Em orbita de si
Pontua-se…