Com_traste

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terça-feira, 30 de agosto de 2011

Dizem que é a ultima a morrer...


Ela pintava sorrisos
Andava de terra em terra e onde chegasse e encontrasse um largo
Daqueles com igreja e em que os sinos marcam as horas do dia
Estendia o pano cru, de cor de terra já mais que batida e suada
E na primeira hora entretinha-se a espalhar as latas de tinta
Os pincéis, espátulas, rolos , paus, giz, lápis de cera e outros tantos utensílios que só ela sabia o uso
Quando os dias eram quentes, daqueles mesmo abrasadores…
A sombra de qualquer arvore era o lugar escolhido
Em caso de dias cinzentos e frios
Era num alpendre velho, ou vão de escada de uma casa abandona, que se abrigava
Nunca sabia ao certo o tempo que estaria ali…quase tudo era improvisado a sua vida
Sem eira nem beira
Sem morada ou caixa postal
Era ambulante..errante por destino e opção
Fazia laços com facilidade, mas nunca se lembrara de ficar mais tempo, que o tempo de fazer laços..em que lugar fosse …
Para ela a estrada era como uma fita de cetim colorida
Que estendia juntando gentes e lugares
Enlaçando aqui
Atando acolá
Caso quisesse, poderia sempre voltar atrás e teria assinalado o caminho de volta, pela cor e luz do tecido que o cobriam
Reconheceria sempre a terra que já a brigara
Os laços que já fizera…
Mas naquele dia não chovia , junto à igreja erguia-se uma oliveira de um tamanho anormal
Ninguém se lembra há quanto tempo deixara de dar azeitonas..crescia a olhos vistos e a sombra que fazia era tão grande..mas tão grande..que em tempos de muito calor dizem que o pastor, que tinha o maior rebanho da aldeia, era nela que passava as tardes longas e calmas ..com todas as suas ovelhas. O cenário fazia arrepiar o Prior…que invejava tal rebanho…adormecido.
Mas isto tudo para dizer que foi ali que ela resolveu deitar o seu pano e espalhar as suas tintas…
E enquanto estava..pintava.
Pintava sorrisos nas arvores
Nos sinos
Nos rostos dos meninos
Nas vendedeiras da rua
Nas pedras das calçadas
Nas janelas
Nas lapelas dos senhores bem vestidos
Pintava sorrisos nas nuvens
Nas terras ressequidas e abandonadas
Nas maçãs
Nas vinhas
No senhor prior
Na santa do andor
Nos lugares escondidos
Nos becos dos sem abrigo
No cão rafeiro
No padeiro
Na senhora de má vida
Nas manas solteironas
No vendedor de carvão
Pintou sorrisos no pão
E há que diga que se multiplicou
Pintou sorrisos nas noites
Nos dias
E no mês que corria
Na cara séria do homem do talho
No sacristão
No bêbado
Nas beatas
E nas virgens
E enquanto pintava e não se cansava…a aldeia mudava
Não sei se por gosto ou espanto
Toda a gente sorria
Todas as coisas sorriam…
E ela…voltou a partir pintando a estrada que a levava além…
Ninguém se lembra da ter visto
Ninguém sabe o que se passou
Hoje, há ainda que conte que houve um dia que a oliveira secou …a sorrir…mas há quem ainda tenha esperança, que para o ano ela volte a dar azeitonas.

(histórias para quem não pensa que é gente grande!)

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