Com_traste

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segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Servi Domini


Porque nos devoram os monstros sociais 
E depois de comidos querem mais e mais 
E nós alimentamo-nos de ilusões 
Somos puras contradições 
Individuais, doses fatais 
Alimento para animais 
Porque não morrem enfartados? 
Trincam e lambem os lábios 
Babosos glutões 
Nada na borda do prato 
Afogamo-nos na sopa com a pedra no sapato 
Morrendo de cansaço, boiando como excrementos neste esgoto 
Ok, não somos gente 
Mas sombras de um criador, que se esqueceu de nos tirar a dor 
E nos deixou acreditar na fantasia 
Reprodução em cadeia 
Sem grades para que possamos afiar as limas 
E usamos as unhas esgravatando a terra 
Fazendo covas para plantar defuntos 
Que depois de bem cuidados crescerão viçosos nas nuvens 
Alados girassóis 
Que seguirão eternamente a luz divina 
Que sina! 
E a semente de gente? 
Serve de alimento ao patrão 
Que em dia sem remuneração 
Acusa 
Abusa 
Explora 
E nós pedindo esmola 
Na porta da consciência urbana 
Infestada de peste suína 
Desumana 
Doença roubada para pura carnificina 
Ide em fila 
Porcos imundos 
Redundantes seres animados 
Agradecei em voz baixa e de olhos no chão 
Para que querem mais que um naco de pão? 
Já não há pulmão para gritos de revolta 
Droga de criatura pura 
Essa maldita habilidade que insistem meter nas veias 
Dignidade? 
Ilegal sentimento 
Não lhes chega o demente pensamento 
Querem mais? 
Agora cortem os pulsos que precisamos de dar cor à pátria 
Não há maior honra que servir de pigmento 
Amanhã é dia santo 
Podereis chorar em vão 
Alegremente florir campas 
Uma ou outra oração 
E basta! 
Para o ano há mais cultura 
Festas são procissões 
Vistam os meninos de anjinhos 
As virgens com seus filhinhos 
E aleluia senhor! 
E não adianta não ser crente 
Somos UM ilusoriamente 
Formando a massa compacta da estupidez humana

domingo, 30 de outubro de 2011

Faça chuva ou faça sol


Agora que chove
E escorrem as aguas pelas ruas
Chega o tempo que já o foi antes
Aquele em que se perde a sua noção nas nossas memórias
Nem sempre claras as lembranças
Não se lembra dia ou hora
Mas a chuva que molha
O frio na pele que arrepia
A cara fria
E aquele correr para os braços quentes de alguém
Agora que chove
Volta o cheiro da terra
O sabor dos beijos das romãs
E a cor da saudade de outrora
Era quente a brasa
Iluminada a casa
E o corpo aconchegado em cobertores de lã
E no enlaçar das lembranças
Às voltas tantas
Lembramos a hora
O dia
Quando fomos crianças
E chovia sempre tanto quando éramos pequeninos
Talvez por isso agora
Sem dia nem hora
Tentemos passar intocáveis por entre as gotas de chuva
Mesmo que encharcados até aos ossos
Renegando memórias
Saltando poças
Espaços de tempo
Deixando para trás …o temporal que nos assola
Depois…um dia virá o sol quente de Inverno
E as chuvas num dia de verão
Contradição
Seguimos viagem …mudando na próxima estação
Na única linha que não encerra…a nossa memória.

sábado, 29 de outubro de 2011


Chamavam-lhe mulher e ela ria
Com a boca cheia dos sorrisos contidos uma vida inteira
Sabia-se sereia e bela
No ventre a serpente que tentara Adão outrora
Em espiral circulação
Tocava-lhe o coração e surgia uma outra
Dócil ser de amor puro
Que em dias sem pudor chorava as dores paridas
Toda uma vida
Chamavam-lhe mulher e ela ria
Sabia-se quente e fria
Derretendo o gelo que a cobria em dança do ventre compassada
E banhava-se naquela água que depois fervia
Quando seu corpo em gemidos se perdia
Chamavam-lhe mulher e ela ria
Bicho felino
Metade Ela metade Fera
Mulher inteira quando amada

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Expressão plástica


Ondula o tempo ao longe no quente da tarde
E o horizonte é o copo de água que falta
Ondula a seca folha que debaixo dos meus pés faz triz
E por uma unha negra a era já não é
Ondula a sede que tenho na língua
Serpenteando louca e venenosa
Ondula a ultima gota na garrafa vazia
Nos meus olhos ondula o mar sem maresia
Ondula a areia do deserto
E um punhado na mão se faz em nada
Ondula a fria noite, nas copas das arvores de um oásis num quadro assinado
E eu, no banco de pele macia da sala do cinema a preto e branco
Olho o ondular do teu corpo na tela
Ondula o meu corpo em sintonia
E o chão que me segura do lado de fora deste mundo
Que inventaram, apenas para que eu morra…
De sede
De tédio
De pena
Ondula o fim…em palavra projectada
E eu morro antes de mim
Apenas para me ver a ondular etérea
Lá longe…onde no horizonte se finda o mundo
E eu…estando aqui no lado de fora
Rio, para que ondule minha voz bem fundo
Antes que me comam vivas as palavras mortas
Do que não digo…por nada existir deste lado
A ilusão óptica da terra redonda
São olhares infantis
E criatividade Divina
Afinal o mundo é feito de plasticina
E apenas ondula com o toque dos nossos dedos
E as ondas do mar…são apenas desejos.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011


Perdi a pena
Da dor que se sente sem anestesia
E choro silenciosamente as minhas magoas em soluços
Disfarçados de cascatas cristalinas nos meus olhos doentes
Perdi a pena
Da inspiração que antes surgia alucinada
Vinda do nada no meu colo ela caia
E eu sorria…admirada
Pela cria aninhada na minha fantasia
Perdi a pena
Da asa que me sustentava o voo
Do pássaro sem ninho que em mim crescia
Do mistério dos anjos que me povoam
Perdi a pena
E agora resta-me inventar uma outra forma de conseguir renascer das cinzas
Neste fogo que me arde ainda
Mesmo depois das lágrimas me lavarem inteira
E coberta de cinzas
Arrancar a ultima pena com que escrevo o ultimo voo…em círculos.