Com_traste

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terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Vidas provisórias... Ou mortalhas inúteis





Já só lhe restava a mortalha
O tabaco acabara-se há muito
E agora os tempos estavam frios
As noites ao lume tinham o mesmo tamanho
Longas esperas de dias
E ele ali sentado contando o que se conta ao serão
Histórias
De um menino rabino
De um jovem sonhador
Da guerra
Da guerra e das dores
E depois os dias sorridentes
Uma Maria
Mulher robusta, de peito farto e cheia de cores
Mãe dos quatro filhos dele mas a quem sempre trocara os nomes
E isso que importa?
Eles sorriam
E riam repetindo sempre a mesma ladainha
Não é o zé..é o chico!
Não sou o Mané sou o Jacinto, pai!!
E a Maria que os parira, abanando a cabeça e limpando as mãos ao avental, repetia entre dentes..
Não tivesse ele chapéu e eu diria que lhe faltava alguma coisa para segurar aquele cabelo...
Agora, nas histórias que contava à noite ao serão
Lembrava tudo...até os nomes certos de cada rosto
Mas, a Maria fora-se antes dele
Morrera de desgosto, diziam na aldeia ao lembrar o acidente fatídico nas minas.
Nesse tempo ainda havia trabalho para os homens da terra e era lá que os filhos se faziam homens...quando não morria meninos.
Já só lhe restava a mortalha
Que ele teimava em enrolar entre os dedos...como se enrolam memórias que se esfumaram...quando ainda havia tabaco.

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